06 / 10 / 2010
O ano de 2010 ficará marcado internacionalmente não apenas pela realização da Copa do Mundo. Outro tema – a biodiversidade – vai interferir de forma direta e implacável no cotidiano das pessoas, em escala muito maior e talvez sem a mesma visibilidade na mídia. O assunto também vai atrair a atenção de muitos países durante a Conferência da ONU sobre Diversidade Biológica (COP-10), a ser realizada de 18 a 29 deste mês em Nagoya (Japão).
Apesar de ainda não ter o mesmo apelo do futebol nas discussões do dia-a-dia, neste Ano Internacional da Biodiversidade – estabelecido pela ONU – nações de todo o mundo vão debater a perda da biodiversidade, prejuízo que afeta não só animais e plantas (como muitos preferem simplificar a questão), mas interfere de maneira crucial na manutenção da vida do homem e no equilíbrio de todo o planeta.
Para se ter uma ideia do tamanho do prejuízo, as perdas econômicas decorrentes do processo de redução de espécies alcançam uma cifra anual entre U$2 e US$ 4,5 trilhões, segundo pesquisadores do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
O encontro no Japão vai reunir as nações megadiversas (grupo dos 17 países que abrigam a maioria das espécies da Terra e juntos detêm cerca de 70% de toda a biodiversidade do planeta, entre eles o Brasil), as principais potências econômicas mundiais e outros 100 países aproximadamente. O objetivo é tentar encontrar soluções que possam surtir efeito rápido ou pelo menos de médio prazo, a fim de evitar novos colapsos ambientais ao redor do planeta.
Durante a COP-10, o Brasil pretende assumir o protagonismo nas negociações, com o objetivo de reafirmar o pacto entre os países signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) para o cumprimento das metas estabelecidas em Johannesburgo (África do Sul), em 2002. Vai ainda defender a bandeira da repartição de benefícios oriundos do patrimônio genético da biodiversidade, principal ponto pretendido pelos megadiversos na convenção. Muitas reuniões preparatórias têm sido realizadas pelas 17 nações megadiversas com a finalidade de se estabelecer uma proposta comum que, uma vez concluída, deve ser apresentada na COP-10.
A questão da compensação financeira resultante do conhecimento obtido a partir da biodiversidade, no entanto, é motivo de controvérsia. Ganhou manchete dos jornais o caso do cupuaçu, por exemplo, que teve um pedido de patente registrado no exterior por uma empresa japonesa, apesar de ser uma planta típica da Amazônia.
Por meio da contestação de entidades ambientalistas nos escritórios de patentes internacionais, foi impedida a aprovação do registro, pois as aplicações do produto já eram, há muito tempo, de domínio dos índios e das comunidades tradicionais amazônicas, e não envolviam nenhum tipo de inovação que justificasse o direito de sua exploração pela companhia japonesa.
Diversidade global em declínio - De acordo com o terceiro relatório do Panorama da Biodiversidade Global (GBO3, em inglês), divulgado no começo de maio pelas Nações Unidas (cuja versão em português foi lançada em maio pelo MMA), nenhum país cumpriu integralmente as metas de redução da perda da biodiversidade em seus territórios entre 2002 e 2010.
O documento é um relatório oficial da Convenção sobre Diversidade Biológica, estabelecida em 1992, e vai pautar as discussões entre os chefes de Estado participantes da Cúpula da Biodiversidade no Japão. O ponto mais preocupante deste estudo revela que a perda da biodiversidade global está alcançando um patamar quase irreversível.
Entre 1970 e 2006, por exemplo, o número de indivíduos de espécies de vertebrados teve um declínio de 30% em todo o mundo, e a tendência, segundo o GBO3, é de que a redução continue, especialmente entre animais marinhos e nas regiões tropicais. O relatório indica ainda que 40% das espécies de aves e 42% dos anfíbios apresentam população em queda.
Para reverter o quadro de sérios prejuízos ambientais e econômicos, seriam necessários investimentos em todo o planeta de aproximadamente U$45 bilhões por ano.
O relatório indica os cinco principais fatores de pressão sobre a biodiversidade: perda e degradação de habitats (convertidos em plantações, pastagens, áreas urbanas), mudanças climáticas, poluição, sobreexploração dos recursos naturais e a presença de espécies exóticas invasoras. As intervenções humanas em lagos de água doce também foram apontadas como outro fator importante, pois devido ao acúmulo de nutrientes, inúmeras espécies de peixes foram levadas à morte em larga escala.
A acidificação e poluição dos oceanos vitimam ainda os recifes de corais, o que descaracteriza o ecossistema marinho. Nas grandes regiões do mundo, os habitats naturais continuam a declinar em extensão e integridade, especialmente os bancos de algas marinhas, as zonas úmidas de água doce, as localidades de água congelada e os recifes de corais e de mariscos.
Segundo dados da World Conservation Union (União Mundial de Conservação), a ação do homem provoca 0,2% da perda média de espécies todos os anos, que ocorre ainda por queimadas e desmatamento impulsionados pelo mercado imobiliário e/ou monoculturas de larga escala, caça e tráfico de animais.
Extrativismo sem manejo adequado e mineração, dentre outros fatores de intervenção antrópica, também são causas crescentes do processo de extinção, por acompanharem as necessidades de uma população humana que, segundo estatísticas da ONU, é de 6,5 mil milhões, com perspectivas de aumento para 7 mil milhões até o ano de 2012.
De acordo com o secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica, Ahmed Doghlaf, a perda da biodiversidade ocorre em uma velocidade sem precedentes. "As taxas de extinção podem estar mil vezes acima das médias históricas", alerta.
Apesar de o GBO3 ressaltar o aumento considerável das áreas de proteção ambiental (82% estão em áreas marinhas e 44% em regiões terrestres) e o progresso significativo da preservação de florestas tropicais e manguezais, dados do documento revelam que estas medidas não foram suficientes para alcançar a meta estabelecida.
Ações brasileiras – Há ainda outros pontos do documento do Pnuma considerados críticos. A Amazônia é citada como área sujeita a danos irreparáveis, em parte motivados pelo desmatamento e queimadas, e ainda pelas mudanças na dinâmica regional das chuvas e extinção de espécies.
O Brasil é citado como exemplo no que diz respeito à criação de áreas protegidas (unidades de conservação). Dos 700 mil quilômetros quadrados transformados em áreas de proteção em todo o mundo, desde 2003, quase três quartos estão em solo brasileiro, resultado atribuído em grande parte ao Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (Arpa).
Segundo o diretor do Departamento de Áreas Protegidas do MMA, Fábio França, para 2010, já está em fase final de negociação com governos estaduais e outros ministérios, a criação de novas áreas protegidas: 54.280 hectares no Cerrado; 405.900 hectares na Mata Atlântica; 600.000 hectares na Amazônia; 1.230.000 hectares na Caatinga e 101.200 hectares na Zona Costeira e Marinha.
Outra estratégia fundamental adotada pelo Brasil para combater o desmatamento e a extinção de espécies decorrente desta prática é o monitoramento por satélite de todos os biomas brasileiros, procedimento que, até 2008, era realizado apenas na Amazônia e em parte da Mata Atlântica.
Com a identificação e controle das principais causas do desmatamento na região amazônica em 2009, a devastação da floresta teve o menor índice (43% mais baixo) dos últimos 20 anos.
Os primeiros resultados sobre o Cerrado e Caatinga, levantados entre 2002 e 2008, já foram lançados, mostrando que quase metade da cobertura vegetal original destes biomas já foi destruída. Em 2010, também foram divulgados os dados referentes à cobertura vegetal do Pantanal e do Pampa, referentes ao mesmo período. E, em novembro, há previsão de que sejam divulgados os dados sobre a Mata Atlântica.
O monitoramento é uma iniciativa fundamental, pois permite estabelecer planos de ação de fiscalização, controle e combate ao desmatamento, bem como levar alternativas sustentáveis às regiões onde o desmate ainda é muito praticado.
Exóticas e invasoras – Também foi lançada, em 2009, a Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras. O programa orienta as diferentes esferas do Governo a fim de mitigar e prevenir os impactos negativos destas espécies sobre a população humana, os setores produtivos, o meio ambiente e a biodiversidade.
Os eixos deste plano são a prevenção da introdução de novos indivíduos, bem como a mitigação da presença dos mesmos em biomas e bacias hidrográficas do Brasil. Atualmente, as invasões biológicas causadas por espécies exóticas invasoras são consideradas a segunda maior causa de perda da biodiversidade biológica do planeta, perdendo apenas para a destruição de habitats.
No Brasil, os custos decorrentes dos impactos causados por estas espécies atingem cerca de U$50 bilhões ao ano. Entre elas, podemos citar o mosquito da dengue, o mexilhão dourado, o caracol gigante africano, a uva-do-japão, o capim-annoni e o amarelinho.
Também tem sido feita a atualização de listas de espécies brasileiras ameaçadas de extinção (fauna e flora), que servem como alerta e instrumento de monitoramento da política de conservação destas espécies. "O número de espécies em extinção está aumentando, o que é um sinalizador preocupante, pois demonstra que o objetivo de reduzir a taxa de extinção não tem sido alcançado", avalia João de Deus Medeiros, diretor do Departamento de Florestas do MMA.
Fundamentais para a conservação e recuperação de espécies ameaçadas de extinção (um dos principais compromissos dos países durante a CDB), estes levantamentos funcionam como instrumentos de implementação da Política Nacional da Biodiversidade, que inclui as Listas Nacionais Oficiais de Espécies Ameaçadas de Extinção; os Livros Vermelhos das Espécies Brasileiras Ameaçadas de Extinção e os Planos de Ação Nacionais para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção.
Evolução da vida – A biodiversidade é a totalidade das espécies de seres vivos de uma determinada região ou tempo, e abrange animais, vegetais, fungos e microorganismos, sendo responsável pela evolução e conservação da vida em todos os lugares. Sua manutenção depende do equilíbrio e estabilidade de ecossistemas, e seu uso e aproveitamento pela humanidade deve, necessariamente, ser feito de maneira sustentável de forma a preservá-los.
Desde que o homem começou a interferir na natureza, a biodiversidade tornou-se a base das atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais e, mais recentemente, da indústria de biotecnologia. Trata-se ainda da fonte prima para remédios, cosméticos, roupas e alimentos, entre outros produtos, e é essencial para a criação de grãos mais produtivos e resistentes a pragas e a outras doenças.
A espécie humana é apenas uma entre 1,75 milhão de espécies de vida conhecidas. O Pnuma estima que existam pelo menos 14 milhões de espécies vivas ao redor do planeta. Alguns especialistas calculam que esse número possa chegar a 50 milhões, ou ainda mais.
Extinção de espécies - A Convenção sobre Diversidade Biológica foi estabelecida em 1992, durante a ECO-92, no Rio de Janeiro, mas a meta de redução da perda da biodiversidade só foi fixada na Cúpula da Terra de Johannesburgo, em 2002.Durante o evento, os governos participantes se comprometeram a estabelecer medidas para combater a extinção de espécies.
Dentre os pontos acordados constam a redução da degradação de habitats, o controle de espécies exóticas invasoras (que ocasionam prejuízos de aproximadamente R$ 2,5 trilhões nas economias de todo o planeta) e transferência de tecnologia para países em desenvolvimento. Das 21 metas estabelecidas pela ONU em 2002, nenhuma está próxima de ser cumprida.
A Convenção sobre Diversidade Biológica foi assinada por 156 nações – atualmente foi ratificada por 192 – e estabeleceu que os países têm direito soberano sobre a variedade de vida contida em seu território, bem como o dever de conservá-la e de garantir que seu uso seja feito de forma sustentável, isto é, assegurando sua preservação.
Um dos temas mais defendidos pela CDB é a necessidade de repartição justa e equitativa dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos. Eles seriam divididos entre todos os países e populações cujo conhecimento foi chave para sua utilização, como, por exemplo, comunidades acostumadas a usar plantas típicas de sua região desde tempos remotos, como os índios e outras populações tradicionais.
Fonte: Carine Corrêa/ MMA
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