Por Rodrigo Campos
O ano de 2010 foi definido pela Organização das Nações Unidas - ONU como o Ano Internacional da Biodiversidade. No mês de outubro foi realizada no Japão a Conferência da ONU sobre Diversidade Biológica (COP-10). O encontro no Japão reuniu os 17 países que abrigam a maior parte das espécies do planeta e juntos detêm cerca de 70% de toda a biodiversidade mundial e mais as principais potências econômicas mundiais e outros 100 países aproximadamente. O objetivo foi encontrar soluções que surtam efeitos de curto e médio prazo, com o objetivo de evitar novos colapsos ambientais e extinções de espécies no planeta.
Nesse quesito ambiental, o da biodiversidade, Nova Friburgo de destaca como um dos municípios mais conservados de todo o domínio da Mata Atlântica do Brasil. De acordo com o Atlas de Remanescentes da Mata Atlântica produzido em conjunto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pela Fundação SOS Mata Atlântica, Nova Friburgo possui 40.614 hectares de vegetação nativa, ou 44% do território municipal. É o quarto município com maior área nativa, atrás apenas dos municípios da região turística da Costa Verde Paraty, Angra dos Reis e Mangaratiba.
Essa vegetação nativa constitui-se em quase sua totalidade em florestas secundárias em estágios médio e avançado de regeneração. Isso significa que a floresta original, ou primária, que existia na região antes da colonização branca já foi suprimida, dando espaço a uma nova e menos diversificada geração de plantas e animais e elas associados. Há também alguns fragmentos de vegetação rupestre e campos de altitude que são fisionomias compostas basicamente por plantas de porte arbustivo apoiadas em solos rasos e pouco nutritivos. Não há no município vegetação de restinga e manguezal, fisionomias vegetais presentes apenas nas áreas litorâneas.
Apesar de não ser primária, essa vegetação ainda assim constitui-se em um patrimônio natural extremamente valioso devido à grande diversidade de seres vivos que seus ecossistemas abrigam. O valor dessas vidas por si só já justificaria sua máxima proteção, mas soma-se a isso a sua importância para o bem estar da população humana ao redor devido aos serviços ambientais prestados, como a regularização do clima, a estabilização dos solos e das encostas, a potabilidade da água e a disponibilização de opções de lazer, tratamento medicinal, contemplação cênica e inspiração espiritual.
Assim como em todo país, Nova Friburgo apresenta problemas na relação homem-natureza que precisam ser geridos o quanto antes para que seja estancada toda a perda da biodiversidade que vivenciamos na atualidade com a destruição das florestas. A dinâmica econômica atual associada às características do relevo serrano não permitem que haja na atualidade grandes áreas de monocultura que avançam sobre as florestas nativas como ocorre nos planaltos do Cerrado e planícies da Amazônia. Aqui, a degradação se dá através do "efeito formiga". Esse efeito na zona urbana se dá principalmente pelo avanço das construções na periferia e nas encostas com declive acentuado que vão "comendo pelas beiradas" a floresta.
O aumento do tecido urbano em Nova Friburgo e o seu consequente avanço para áreas de floresta se dá principalmente por um crescimento demográfico interno. Não há uma contribuição tão significativa de "imigrantes", ou seja, pessoas vindas de outros municípios, como ocorre com mais intensidade, por exemplo, em Teresópolis, em cujas comunidades carentes moram muitos cidadãos vindos da região Metropolitana. Em Nova Friburgo é intenso o êxodo rural, onde os habitantes da zona rural buscam na cidade oportunidades e melhoria de qualidade de vida, o que, evidentemente, nem sempre ocorre. É curioso observar que apesar desse abandono aumentar a pressão ambiental nas cidades, por outro lado permite em muitos casos que a vegetação nativa se regenere nas terras que deixam de ser cultivadas no meio rural.
Esse relativo "equilíbrio", no entanto, pode vir a ser quebrado com a instalação do Complexo Petroquímico da Petrobras, o Comperj, no município de Itaboraí, que poderá, tendo em vista o seu excepcional porte, induzir um aumento populacional de origem externa em Nova Friburgo. Os trabalhadores de classe média tendem a ocupar bairros e localidades periféricos de bom padrão arquitetônico e os mais pobres tendem a ser dirigir para aglomerados urbanos mais densificados e de padrão arquitetônico inferior, como os localizados em morros e encostas com alta declividade. Em ambos os casos, o espaço construído tenderá a se expandir para áreas de vegetação nativa em variados estágios de regeneração e áreas de preservação permanente.
Na zona rural, o "efeito formiga" surge nas pequenas e médias propriedades, onde os proprietários desmatam fragmentos de floresta para dar lugar a pequenas culturas de subsistência, para cultivar espécies de relativa rentabilidade econômica como eucalipto, pinus e banana, e para ampliar as áreas de pastagens. Existe também uma perda de biodiversidade na região associada ao extrativismo ilegal de certas espécies como a palmeira jussara, para produção de palmito e várias espécies de orquídeas e bromélias, utilizadas com fins paisagísticos.
A atividade agropecuária tradicional gera impactos altamente negativos para a biodiversidade em Nova Friburgo e região. A prática de queimadas, sobretudo no período de estiagens do inverno, para ampliação das pastagens e a "limpeza" de áreas de agricultura muitas vezes tem como conseqüência a perda do controle do fogo, devido a fatores como vento, aceiros mal feitos, ou quaisquer outros motivos, atingindo áreas de vegetação nativa. Os incêndios, tanto em áreas de floresta quanto em pastagens e outras coberturas de vegetação são às vezes provocados também por uma simples queima de folhas secas ou por puro vandalismo, gerando perdas irreparáveis para os ecossistemas naturais. Pela legislação ambiental brasileira é proibido qualquer tipo de utilização de fogo, inclusive nas áreas de prática de "pousio", técnica que consiste em abandonar uma área por um determinado período de tempo para que o solo recupere pelo menos parcialmente sua capacidade produtiva.
A melhor alternativa para conciliar produção agrícola e recuperação da biodiversidade é a adoção de práticas agroecológicas, como, por exemplo, as agroflorestas. Estas se constituem na mescla de espécies vegetais para consumo humano com espécies nativas em uma mesma área. Essa técnica evita a perda de nutrientes e a erosão dos solos e por simular, mesmo que parcialmente, um ecossistema natural, contribui para o controle de pragas que na agricultura tradicional seriam combatidas com produtos químicos artificiais, os agrotóxicos. Em Nova Friburgo, sobretudo na região da bacia hidrográfica do rio Grande, os agrotóxicos são utilizados em larga escala, causando a contaminação dos rios, do solo e a perda de qualidade de vida dos trabalhadores rurais que tem que conviver diariamente com produtos altamente nocivos à saúde humana. Aos poucos, contudo, as técnicas de cultivo agroecológico estão sendo disseminadas, fazendo-nos sonhar com um futuro mais sustentável no campo. No entanto ainda se faz necessária uma atuação mais presente do poder público no incentivo à agroecologia.
Apesar de todos os problemas ambientais existentes na atualidade, tanto em Nova Friburgo, quanto no estado do Rio de Janeiro e no Brasil como um todo, houve alguns avanços nos últimos tempos que nos permitem ter esperança quanto à mudança dessa realidade no futuro. O primeiro é a noção generalizada de que um meio ambiente conservado é vital para a qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Há 20, 30 anos atrás, era comum encontrar pessoas que questionavam a real importância da natureza nas nossas vidas ou mesmo mal sabiam o que era meio ambiente. Hoje em dia, praticamente todos sabem o valor da natureza, apesar de fazerem muito pouco ou nada de concreto para contribuir com a causa ambiental em seu cotidiano. O segundo é a estruturação do poder público para gerenciar o uso dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente. Uma legislação forte com leis como a Política Nacional de Meio Ambiente, o Código Florestal, a Lei de Crimes Ambientais, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e a Lei da Mata Atlântica, entre outras, somadas ao fortalecimento dos órgãos de fiscalização das três esferas de governo e os instrumentos de gestão participativa aos poucos começam a mostrar resultados palpáveis.
Para fazermos nossa parte para a conservação das florestas e da biodiversidade, devemos procurar primeiramente reduzir nosso ímpeto consumista, pois tudo que compramos demanda recursos naturais, incluindo os florestais. Outro ponto vital é rever nossos hábitos alimentares, sobretudo no sentido de diminuir drasticamente ou mesmo abolir o consumo de carne bovina, tendo em mente que as áreas de pastagens destroem completamente os fluxos gênicos e de energia presentes nos ecossistemas naturais que necessariamente ocupavam originalmente essas áreas, além de prejudicar drasticamente os regimes hídricos que abastecem as populações do meio rural e das cidades. Por fim, é necessário exercitar a cidadania denunciando quaisquer agressões à vegetação nativa, como roçadas, corte raso e queimadas aos órgãos públicos e repassando informações sobre a importância da proteção do meio ambiente aos nossos familiares, amigos, colegas e conhecidos.
Rodrigo Campos é geógrafo e diretor técnico do CECNA
Nenhum comentário:
Postar um comentário