Dois anos após o encerramento oficial das atividades do
aterro sanitário de Jardim Gramacho, na Baixada Fluminense, até então
considerado o maior da América Latina e que chegou a acumular 60 milhões de
toneladas de lixo em uma área de 1,3 milhão de metros quadrados, o Rio de
Janeiro ainda procura uma solução duradoura e sustentável para o gerenciamento
de seus resíduos sólidos. Com publicação prevista para logo após o reinício dos
trabalhos legislativos no segundo semestre, um relatório elaborado pela
Comissão Especial sobre Lixões instituída na Assembleia Legislativa (Alerj)
afirma que o Rio ainda está longe de cumprir as metas estabelecidas na Política
Nacional de Resíduos Sólidos do governo federal (Lei 12.305/2010), que exige
dos governos locais a completa erradicação, até o dia 2 de agosto, de todos os
lixões existentes no Brasil.
Aterro de Gramacho desativado
A principal ação desta fase “pós-Gramacho” foi o fechamento
do segundo lixão mais utilizado do estado, o aterro sanitário de Gericinó,
localizado na Zona Oeste da capital. Receptáculo de quase duas mil toneladas
diárias de resíduos sólidos domésticos provenientes da zona metropolitana do
Rio de Janeiro, o aterro encerrou oficialmente suas atividades em abril e
continua a receber apenas entulhos resultantes de demolições ou rejeitos de
obras de construção civil. O fechamento de Gericinó é mais uma iniciativa do
poder público para tentar equacionar o tratamento do lixo produzido pelos
municípios fluminenses, mas alguns gargalos persistem e em muitos casos ainda é
preciso encontrar locais adequados para o depósito dos resíduos sem
sobrecarregar determinados municípios ou ainda adotar formas eficientes de
coleta, tratamento e reciclagem do lixo produzido.
O governo do Rio de Janeiro diz esperar cumprir o
determinado pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), fazendo com que
ainda este ano os 92 municípios fluminenses passem a descartar seu lixo em
aterros sanitários controlados. Todos os esforços neste sentido passam pelo
programa Lixão Zero, coordenado pela Secretaria Estadual do Ambiente (SEA). A
secretaria informa que “ao final do ano passado, 62 cidades já descartavam seu
lixo em locais ecologicamente corretos, com 93,45% dos resíduos sólidos urbanos
sendo dispostos em aterros sanitários, totalizando 15.856 toneladas/dia”. Ainda
segundo o governo estadual, já foram erradicados todos os lixões nos 15
municípios banhados pela Baía de Guanabara.
Embora admita que ainda existam 20 pontos ilegais de coleta
de lixo em funcionamento no estado, que recebem cerca de 3% do lixo produzido
diariamente, a SEA afirma que todos os 92 municípios fluminenses estarão
despejando até o fim de 2014 um total de 16.970 toneladas de lixo por dia em 27
aterros sanitários controlados. Segundo estudo realizado pela Associação
Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), foram
coletadas em 2012, no Rio de Janeiro, 20.450 toneladas diárias de lixo, sendo
que apenas 68,1% desse total era destinado a aterros sanitários.
Ambientalista e consultor do estudo realizado pela comissão
especial da Alerj, Sérgio Ricardo de Lima é cético quanto ao cumprimento das
metas do PNRS pelo estado: “No Plano existem várias outras obrigações, além da
desativação dos lixões. Há, por exemplo, o Plano Municipal de Resíduos Sólidos,
que apenas quatro municípios fluminenses, até três meses atrás, tinham
elaborado. Há 88 inadimplentes. Sem esse plano, esses municípios ficarão
proibidos de receber recursos federais já a partir de 2014 em ações de
gerenciamento de lixo, drenagem urbana e saneamento básico”, diz, acrescentando
que “mais de 90% dos recursos nessa área vem hoje do governo federal,
principalmente via Ministério das Cidades, mas também via ministérios da Saúde
e do Meio Ambiente”.
Outra obrigação estipulada pelo PNRS, continua Sérgio
Ricardo, é a implementação de programas de coleta seletiva: “Não vimos a adoção
de programas de coleta seletiva em larga escala em nenhum município fluminense.
Mais de 50% deles não tem nada. Todos os municípios, de acordo com a lei de
resíduos sólidos, devem implantar a coleta seletiva, mas as ações existentes
são pontuais e insuficientes. O município do Rio de Janeiro, por exemplo,
recicla meio por cento de seu lixo, um patamar muito baixo e um dos índices de
reciclagem mais baixos do país. A prefeitura faz propaganda de que vai
quadruplicar a coleta seletiva, mas quadruplicar meio por cento?”, questiona.
Foco principal do relatório produzido pela Comissão Especial
dos Lixões da Alerj, a inclusão social e econômica dos catadores de lixo é
outra meta obrigatória do PNRS que, segundo o ambientalista, não está sendo
cumprida pelos governos estadual e municipais: “Os projetos que hoje existem em
cidades como Niterói, São Gonçalo e Arraial do Cabo são desenvolvidos por ONGs,
em geral financiados pela Petrobras. Não são programas dos municípios, embora
existam algumas parcerias com prefeituras”, diz.
Consórcios Intermunicipais
Segundo a SEA, a participação do poder público municipal é
fundamental para o cumprimento das metas do PNRS. Atualmente, estão em
atividade seis Consórcios Públicos Intermunicipais de Gestão de Resíduos
Sólidos criados pelo governo estadual: Centro Sul, Baixada Fluminense, Região
dos Lagos, Noroeste Fluminense, Vale do Café e Região Serrana 2. Dois outros
consórcios – Sul Fluminense e Região Serrana 1 – estão em fase final de estruturação.
Outro mecanismo de gestão são os Arranjos Regionais, que agrupam municípios que
não integram nenhum consórcio, mas pretendem enviar seus resíduos a um aterro
sanitário comum. Um mapa dos Arranjos Locais pode ser visto no site da SEA na
internet.
Outra ação considerada prioritária pelo governo é a
implantação de Centros de Tratamento de Resíduos (CTR), que funcionam como
locais de triagem dos diversos tipos de lixo. Segundo a SEA, já foram
instalados ou estão em fase final de instalação CTRs ou aterros controlados nos
municípios de Angra dos Reis, Barra Mansa, Belford Roxo, Campos, Itaboraí,
Macuco, Macaé, Miguel Pereira, Nova Iguaçu, Nova Friburgo, Paracambi, Piraí,
Rio das Ostras, Santa Maria Madalena, São Fidélis, São Gonçalo, São Pedro da
Aldeia, Sapucaia, Seropédica, Teresópolis e Vassouras.
Sérgio Ricardo afirma que “o conceito de tratamento
regionalizado dos resíduos sólidos é correto e sempre foi defendido pelos
ecologistas”, mas acrescenta que “o resultado do que foi implantado no Rio de
Janeiro é uma brutal transferência de dinheiro público à iniciativa privada”.
Neste processo, diz, a busca pelo lucro é maior do que as preocupações
ambientais: “Os aterros regionais são construídos com dinheiro do Fecam (Fundo
Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano), com recursos dos
royalties do petróleo, e depois isso é repassado, sem licitação, às grandes
concessionárias privadas. Se o aterro foi construído com dinheiro público, por
que sua gestão não é feita por um consórcio de municípios ou pelo município
sede? Os municípios pequenos não vão conseguir pagar essa conta”, aposta.
Magé: ameaça ao patrimônio histórico
A decisão da Justiça destaca que a região de Magé é de
elevado interesse arqueológico, mas que não foram realizados previamente os
necessários estudos de impacto do projeto de aterro sanitário sobre o
patrimônio arqueológico ali existente.
Um recente projeto de construção de aterro sanitário no
município de Magé é emblemático de uma política de gestão do lixo que ainda
procura se estruturar no Rio de Janeiro. Operado pela empresa privada Terra
Ambiental, o aterro receberia três mil toneladas de lixo por dia, mas, após uma
onda de críticas das organizações socioambientalistas e a mobilização do
Ministério Público, a licença ambiental para seu funcionamento, que havia sido
concedida pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), foi anulada pela 20ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Confirmando juízo
inicial da vara de Fazenda de Magé, os três desembargadores que compõem a
Câmara negaram liminar interposta pela empresa e decidiram por unanimidade que
o empreendimento deveria ser interrompido por trazer riscos às pessoas, ao meio
ambiente e também ao patrimônio histórico e cultural da região.
A decisão da Justiça destaca que a região de Magé é de
elevado interesse arqueológico, mas que não foram realizados previamente os
necessários − e obrigatórios, segundo portaria do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) − estudos de impacto do projeto de
aterro sanitário sobre o patrimônio arqueológico ali existente: “No entorno do
empreendimento existem importantes bens de valor arqueológico e cultural, como
o Porto da Estrela, o leito da Estrada de Ferro de Mauá e o Paiol da Guerra do
Paraguai, além de comunidades remanescentes de quilombos. Para completar, o
aterro estava sendo construído dento da APA (Área de Proteção Ambiental) da
Estrela”, afirma Sérgio Ricardo de Lima.
Em abril, o promotor Tiago Veras, do município de Itaboraí,
que tem a jurisdição de Magé, assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
com a prefeitura e deu prazo até 2016 para que esta construa um aterro público
a ser gerido por ela mesmo ou concedido à iniciativa privada. Até lá, o lixo de
Magé está sendo levado para o aterro mais próximo, que fica no município de
Nova Iguaçu.
Além da questão arqueológica, segundo Sérgio Ricardo, que
também é integrante do Comitê de Bacia Hidrográfica da Baía de Guanabara, a
presença do aterro em Magé, município localizado às margens da Baía, e o
decorrente acúmulo de lixo na região seriam letais para parte da fauna local,
além de aumentar o risco para os seres humanos em uma área já vulnerável a
inundações: “No Estudo de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) não foi analisada a
presença de peixes endêmicos e outras espécies ameaçadas de extinção que
constam da Lista Vermelha do Ibama e na lista de espécies ameaçadas do ICMBio.
Havia ainda o risco de aumento das inundações na região, que é área de recarga
de aqüíferos e rios e, portanto, considerada de extrema vulnerabilidade a
inundações”, diz.
Seropédica: o herdeiro de Gramacho
Atualmente, o lixo produzido na região metropolitana do Rio
de Janeiro – estimado pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb) em
cinco mil toneladas de lixo domiciliar e três mil toneladas de lixo coletado
nas ruas a cada dia - é enviada ao CRT Santa Rosa, no município de Seropédica.
O aterro sanitário, inaugurado em 2011, agora ostenta o título de “maior da
América Latina” que outrora pertenceu a Gramacho, mas tem equipamentos mais
modernos que o antecessor, como, por exemplo, uma estação de tratamento de chorume
(líquido resultante da decomposição do lixo orgânico) que, segundo a SEA, foi
inaugurada em 2013.
A escolha de Seropédica, entretanto, também é alvo de
críticas. Em sua tese de doutorado, Cícero Pimenteira, pesquisador da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), trata o aterro como “um
erro no planejamento estratégico do estado” e lembra que ele está “situado
sobre o Aqüífero Piranema e próximo ao rio Guandu, principal responsável pelo
abastecimento de água do Rio de Janeiro”.
Sérgio Ricardo vai além: “Está vazando chorume no Aqüífero
Piranema, que tem capacidade para abastecer aproximadamente 600 mil pessoas e
seria o grande manancial do estado. Uma grande tarefa para o futuro seria
preservar o Aqüífero Piranema, mas, em vez disso, o Rio de Janeiro está
enterrando lá dez mil toneladas de lixo por dia”, diz.
O ambientalista afirma que, quando analisado pela Alerj, o
aterro de Seropédica ainda não estava dotado de uma estação de tratamento de
chorume: “A comissão só constatou uma estação de tratamento de chorume
funcionando em todo o estado, que é a de Adrianópolis, em Nova Iguaçu. Nenhuma
outra foi implantada, embora estejam previstas nas licenças ambientais. Uma
estação como essa requer um investimento pesado do concessionário, a de
Adrianópolis custou R$ 30 milhões”, diz.
Fonte: O Eco
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