O advento da Lei 9.985 há exatos 15 anos foi saudado na
época como uma importante conquista do movimento ambientalista, sobretudo para
fins de administração de áreas protegidas.
Um dos seus méritos foi o de uniformizar conceitos e
nomenclaturas. A profusão de nomes de unidades de conservação e a imprecisão de
conceitos, espalhados ao longo de uma infinidade de leis, decretos e
resoluções, eram fatores de instabilidade na administração ambiental. A Lei
9.985, fixando os conceitos de 12 espécies de unidades de conservação da
natureza, subdividida em dois grandes grupos, haveria de contribuir para a tão ansiada
uniformização legal a respeito.
Os dois grupos de unidades de conservação ficaram, assim,
sendo o das unidades de proteção integral (parques nacionais, estações
ecológicas, reservas biológicas, monumentos naturais e refúgios de vida
silvestre) e o das unidades de uso sustentável (áreas de proteção ambiental -
APAs, áreas de relevante interesse
ecológico - ARIEs, florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas de
desenvolvimento sustentável, reservas da fauna e reservas particulares do
patrimônio natural - RPPNs).
Nas unidades de proteção integral, não seria permitida a
exploração econômica dos próprios recursos ambientais existentes na área
protegida; e, a contrário senso, nas unidades de uso sustentável, parcela
desses recursos teria exploração autorizada.
É bem verdade que o (muito bem vindo) veto a um dispositivo
que autorizava a extração de recursos naturais, exceto madeira, em RPPNs
(inciso III do § 2º do art. 21), colocou na prática estas unidades de
conservação no grupo das Unidades de Proteção Integral. Época saudosa de
evolução do Direito Ambiental, onde havia até mesmo vetos presidenciais visando
a preservação do meio ambiente! No caso em referência, não fosse a intervenção
do Chefe do Executivo, hoje em dia empresas mineradoras estariam dinamitando
RPPNs sem nem ao menos pagar ITR.
Outro grande mérito veio a ser o de estabelecer com clareza
o regime de dominialidade das unidades de conservação: algumas delas exigiriam
prévia desapropriação (parques nacionais, estações ecológicas, reservas
biológicas, florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas de
desenvolvimento sustentável e reservas da fauna); outras, poderiam conviver com
o regime de propriedade privada (áreas de proteção ambiental, áreas de
relevante interesse ecológico, monumentos naturais e refúgios de vida
silvestre). As RPPNs, como o próprio nome indica, deveriam necessariamente ser
implantadas em propriedade privadas.
Para viabilizar a regularização fundiária das unidades de
conservação de domínio estatal (público), a Lei 9.985 previu, em seu art. 36, §
1º, que nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de
significativo impacto ambiental, o empreendedor seria obrigado a apoiar a
implantação e manutenção de unidade de proteção integral, destinando não menos
do que 0,5% dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento.
Essa receita serviu, por alguns anos, para regularizar a
situação sobretudo de parques, estações ecológicas e reservas biológicas
criados no papel mas ainda dependentes de aquisição das propriedades privadas
situadas em seu interior.
Lamentavelmente, após o julgamento da ADIN nº 3.378-6, de
2008, esse percentual (0,5%) foi considerado inconstitucional, por não guardar
proporcionalidade com o grau de impacto ambiental gerado pelo empreendimento. A
nova regulamentação do dispositivo, numa era em que toda a legislação ambiental
passou a ser atacada como “entrave para o crescimento”, não poderia ser mais
nefasta: o que era percentual mínimo passou a ser percentual máximo. É óbvio
que não havia sido isto o que decidira o STF: a ausência de proporcionalidade
foi perpetuada, só que desta vez em favor do degradador e em prejuízo do meio
ambiente.
Passados 15 anos do advento da Lei do SNUC, pode-se dizer
que o texto constituiu um grande avanço para o Direito Ambiental e retratou o
que era possível fazer à época. Hoje, não há muito sentido em considerar as
Áreas de Proteção Ambiental como unidades de conservação. São, antes, formas
especiais de zoneamento ambiental. Por outro lado, seria bem-vinda a unificação
dos conceitos de Estação Ecológica e de Reserva Biológica, já que a dicotomia
decorreu mais da divergência no âmbito da administração pública federal do que
de elementos científicos que embasassem tal divisão. Por outro lado, a criação
do conceito de Reserva da Fauna não contribuiu significativamente para a proteção
de nossa fauna silvestre. Ademais, algumas espécies de espaços ambientais
bastante populares poderiam ter sido incluídos na relação do SNUC, como é o
caso dos Jardins Botânicos e Hortos Florestais.
Não acredito, porém, que o momento político seja adequado
para arriscarmos algum avanço. À luz do que vem ocorrendo no país nos últimos
anos, desde o advento da vigente Lei de Biossegurança só tivemos retrocessos:
revogação do Código Florestal de 1965, vetos presidenciais que só beneficiaram
ainda mais os degradadores anistiados por nosso Congresso Nacional, leis
buscando enfraquecer cada vez mais a atuação do IBAMA – e assim vai. Num
contexto como o atual, de imoralidade administrativa e completo desprezo pelo
meio ambiente, a Lei 9.985/2000 constitui importante garantia de proteção de
nossos ecossistemas.
Por: Guilherme José Purvin de Figueiredo
Fonte: O Eco
Um comentário:
Boa!
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