Em entrevista à DW durante a COP23, diretor de fiscalização
do Ibama diz não haver exagero na força utilizada pelo órgão ambiental
brasileiro para combater o crime organizado que ameaça a Floresta
Amazônica.Esta é a primeira vez que Luciano Evaristo, diretor de fiscalização
do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama), participa de uma Conferência do Clima. Atuando no órgão desde 1991,
ele assumiu a chefia das operações contra desmatamento em 2009.
Na 23ª Conferência do Clima (COP23), em Bonn, na Alemanha,
Evaristo apresentou detalhes de ações na Amazônia, falou sobre a violência
crescente no campo – com ataques a viaturas do Ibama e prédios e equipamentos
do órgão incendiados.
O uso da força para coibir a ilegalidade, o que na linguagem
técnica é chamado de “comando e controle”, foi fundamental para a queda de 16%
na taxa de desmatamento da Amazônia registrada entre agosto de 2016 e julho
deste ano, afirma Evaristo. Mas essa estratégia está no limite, diz.
Após cortes no orçamento no início do ano, o Ministério do
Meio Ambiente fez uma realocação de recursos para garantir a continuidade das
operações do Ibama na Amazônia. Segundo Evaristo, a proposta de orçamento do
Congresso para o ano que vem prevê mais recursos para a pasta.
Evaristo também aguarda autorização para fazer um concurso
público. “Com mais mil agentes, eu conseguiria zerar o desmatamento na
Amazônia. À força. Zerar na força tem um curso social”, adverte em entrevista à
DW Brasil.
DW Brasil: As ações de comando e controle vão a campo dentro
de uma estratégia de inteligência?
Luciano Evaristo: Houve a melhoria das ferramentas e
tecnologias de monitoramento, das ferramentas de inteligência, de levantamento,
o Cadastro Ambiental Rural (CAR) expurgou os fantasmas e laranjas. Na hora que
você cruza Prodes (dados de satélite que indicam onde há desmatamento), com o
CAR, você tem crime ambiental qualificado. Você atua, embarga e manda pelo
correio a multa, e o cara já recebe a multa com bloqueio de crédito pelos
bancos.
Foi assim que inauguramos a operação Controle Remoto, com
prioridade para o estado do Mato Grosso e Pará. Já foi feito quase 1 bilhão de
reais em multa no sistema de cruzamento.
Com a Operação Carne Fria, pegamos aeronaves e fomos a
campo. Identificamos 56 mil bois “esquentados” numa carga só. Eles saiam da
área embargada, eram “esquentados” numa propriedade para chegar ao frigorifico.
A gente flagrou os frigoríficos, principalmente da JBS. Outra operação Carne
Fria está em planejamento.
Vamos apertar mais o cerco da cadeia ilegal, em cima do
financiamento dos bancos com cédulas de empréstimos da soja que sai de área
embargada, operação direta no campo e ações de força. O que as ações de força
estão demonstrando nesse ano é digno de se repensar numa nova forma de barrar o
desmatamento na Amazônia.
Com aumento dessas ações e com aumento do orçamento que está
previsto no Congresso hoje, temos muita esperança de acabar com o desamamento.
Aguardamos uma autorização do governo pra fazer um concurso público, alguns
agentes aposentaram. Vamos intensificar as ações nas áreas críticas, nas áreas
de ações de presença de inibição direta de crime ambiental com as ações de
cunho remoto.
E o poder do garimpo na Amazônia?
O garimpo está acabando com a Amazônia. Não se pode
dissociar. A renda do garimpo também financia o desmatamento. O garimpo por si
só desmata de uma forma muito agressiva: esburacando, poluindo, destruindo.
Além da poluição social – com trabalho escravo, tráfico de droga, tudo o que carrega
junto -, a renda da atividade criminosa financia a grilagem.
Como acabar com o desmatamento?
Mantido o orçamento, a gente vai conseguir manter esse
patamar. As ferramentas tecnológicas nos dão a segurança de escolher estratégia
para conseguir atingir o fim, mas isso não resolve. A taxa ficaria sempre ter
perto dos 5 mil km2 (a menor taxa de desmatamento registrada foi de 4,6 mil
km2, em 2012).
Eu disse ao ministro: “Com mais mil agentes, eu zero o
desmatamento na Amazônia”. À força. Zerar à força tem um custo social. Isso que
a gente tem que ter em mente plenamente. É preciso mecanismos de conversão da
economia criminosa para uma economia formal.
Se ações desse tipo vierem com o comando e controle
ajustado, vamos baixar o desmatamento com sustentabilidade, sem haver o
descumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento das Nações Unidas, sem haver
fome, sem haver a miséria, num processo de conversão.
Por que é tão difícil reverter essa lógica da ilegalidade?
Ali tem um processo de ocupação que foi surpreendido com as
leis ambientais que se fortaleceram. Esse processo de ocupação (da Amazônia)
foi se dando com movimento de pessoas de outros estados, com atuação dos
grileiros.
O desmatador olha o preço do valor especulativo da terra.
Enquanto o comércio da terra estiver valendo, ele vai desmatar, invadir. Como é
o crime organizado que opera essa invasão, ele segura nas armas, rouba a
madeira, depois vem com fogo, limpa, joga o capim e vai vender essa área. Para
maximizar o lucro, o desmatador põe pequenos acampamentos na floresta e submete
as pessoas a trabalho escravo.
Quem banca esse crime organizado?
A investigação da Polícia Federal poderá dizer. Sabemos que
atrás do ouro está o contrabando. Não se trata de um monte de pequenos
garimpeiros tentando sobreviver: são vários garimpeiros que têm um patrão que
recolhe o ouro e leva pra fora do país, gera divisas lá fora. E parte do
dinheiro desse ouro é usada para comprar parte de terra de desmatamento.
Esse crime organizado, como está sendo atacado de uma
maneira muito pesada pelo Ibama, está reagindo. Na cidade de Humaitá , por
exemplo, fomos para uma operação planejada para apreender balsas, desmontá-las
na marina e frear a ilegalidade. Ocorre que contratamos um rebocador pra puxar
as balsas. Os garimpeiros atacaram e queimaram o rebocador e ameaçam matar a
tripulação. Nós resgatamos a tripulação do rebocador. Sem meio de levar as
balsas para a desmontagem, não tinha outra opção que não fosse a destruição das
balsas sob pena de elas continuarem degradando o meio ambiente, despejando
mercúrio no rio Madeira e dando continuidade à atividade criminosa. Fizemos a
destruição das balsas dentro da lei. Daí o crime organizado resolveu atacar as
unidades do Ibama.
O que você sente quando vê uma unidade do Instituto Chico
Mendes e do Ibama sendo incendiada em Humaitá? Nos vídeos, eu vi distribuição
de cerveja pelo prefeito local, vi o prefeito andando diante da massa, vi
policiais militares fotografando a destruição, e não tomando atitude nenhuma de
proteção aos prédios públicos. Eu me senti, assim, numa cidade sem lei. Se
considerasse aquele pedaço de terra um país, seria um país sem lei, com valores
invertidos.
E que relação isso tem com o nosso Congresso, com Brasília?
Não posso apontar relação direta com os parlamentares. Eu
consigo apontar, dentro do que a gente enxerga lá no campo, o envolvimento dos
políticos locais. Eles são defensores daquela economia que está ligada ao
crime. Eles se elegem com ela.
Há uma pressão para tentar mostrar que há um exagero da
atividade de repressão do Ibama, mas não há um exagero. O Ibama está adotando a
força necessária para conter a criminalidade. Quanto mais a criminalidade fica
forte, mais a gente vai ter que agir com mais força.
Na Terra Indígena Caiapó, destruímos 39 equipamentos de alto
custo. Os criminosos foram fechar a rodovia protestando pelo direito de
continuar a cometer crimes em terras indígenas. Isso é uma inversão de valores
inaceitável. O prefeito da cidade foi a Brasília pedir que eu fosse falar com
os garimpeiros. Eu disse a ele: “Por mim, eles podem ficar 200 anos naquela
rodovia. Se vocês querem resolver o problema da rodovia, vão lá e deem voz de
prisão a todos eles que estavam praticando crime dentro de terra indígena.”
Nós, como autarquia responsável ao combate pelos crimes
ambientais, olhamos para o Estado brasileiro, para leis de crimes, para a
legislação que nos determina a agir. Tem instituições nesse Estado brasileiro
que não vão parar de cumprir a legislação. Aconteça o que acontecer. A não ser
que mudem a Constituição.
Nós podemos deixar que se envenenem as comunidades
indígenas. Estive na BR 163 e peguei um garimpo enorme, o Esperança 4. Para
você licenciar uma coisa daquela ali você tinha que ter mil medidas
mitigatórias, mil projetos de recomposição. Vi um afluente completamente morto.
Sem peixe, sem nada. Era um garimpo licenciado pelo município de Altamira.
Coincidência ou não, o secretário do Meio Ambiente da cidade, depois disso, foi
assassinato.
Os garimpeiros voltaram depois para a área?
Temos informação de que eles voltaram, os indígenas nos
disseram. Teremos que fazer outra operação. O bom dessa história é que descobri
que trabalhar com os índios é a melhor coisa que existe para defender a Amazônia.
O nosso parceiro são esses caras. Montamos com eles um sistema de acionamento.
Eles acionam meu Whatsapp e eu mando a aeronave combater diretamente, na hora
que o garimpo entra.
É possível avançar no combate ao desmatamento nesse cenário
hostil?
Temos uma falha: somos bons de pancada, e somos ruins de
comunicação. Precisamos lançar uma grande campanha em defesa da Amazônia
brasileira, que mobilize todo mundo. Porque se você está sentando num lugar e
vê que a madeira da mesa é da Amazônia, e diz que não vai tomar café no lugar
por que a madeira pode ter vindo do desmatamento ilegal, o dono vai pressionar
o fornecedor da madeira. Os elos da cadeia têm que estar conscientizados e
pressionar um a outro.
Estou pressionando os frigoríficos para saber a origem do
boi. Mas os supermercados precisam pressionar os frigoríficos para que não
comprem boi de área de desmatamento. Quando a cadeia de produção se
conscientizar, nós vamos atingir a nossa meta de acabar com o desmatamento.
Fonte: Deutsche Well
Nenhum comentário:
Postar um comentário