O desmatamento na Amazônia brasileira chegou a sua menor
taxa desde 1988, em parte graças ao melhor monitoramento de atividades
irregulares. No entanto, apesar da implementação de medidas mais duras,
madeireiros ilegais ainda conseguem extrair madeira da selva e vendê-la como se
fosse legal, apontam moradores locais.
O jovem agricultor Fábio Lourenço de Souza mora em um
assentamento conhecido como PDS Esperança, no vale do Xingu, no Pará. Apesar de
viver em uma região rica em madeira tropical, ele, bem como a maioria das 300
famílias do assentamento, tenta manter distância de madeireiros.
"Não faz sentido para nós começar a extrair a madeira
de nosso assentamento", diz Fábio, que interrompeu a construção de uma
nova casa de madeira para conversar com a BBC. "As empresas madeireiras
não nos pagariam o suficiente, e isso destruiria a floresta. E precisamos dela
para o futuro de nossas crianças." Ele prefere dedicar-se ao plantio de
cacau.
Subornos e ameaças
Durante anos, os moradores do PDS Esperança levantam
preocupações quanto ao roubo de madeira de sua terra. Eles dizem que a prática
é rotineira e que os madeireiros falsificam documentos para fazer parecer que a
madeira foi extraída legalmente.
Para que a extração seja legal, é preciso que o dono da
terra faça um inventário de suas espécies de madeira e peçam autorização do
governo para explorá-las, dentro de um limite. A autorização prevê também que,
após a retirada da madeira, a área seja reflorestada.
Mas madeireiros ilegais obtêm autorizações por meio de
subornos e ameaças a donos de terras. Depois, os madeireiros usam essas
autorizações para encobrir a extração ilegal feita em outras áreas.
Procurado pela BBC, o governo brasileiro se recusou a comentar
a respeito dessa prática.
Assentamentos vigiados
Anos atrás, preocupados com o extrativismo ilegal, os
moradores do PDS Esperança bloquearam a entrada de seu assentamento, para
evitar a entrada de madeireiros.
Após sete meses de tensões, conseguiram convencer o Incra,
que distribui e organiza os assentamentos, a construir guaritas para que o PDS
Esperança pudesse ser vigiado e a pagar por vigias privados.
A guarita ainda está de pé, e ajuda a explicar por que a
vida é relativamente tranquila no PDS Esperança, apesar de alguns moradores
ainda receberem ameaças de morte de madeireiros.
A tensão é maior em outro assentamento, o PDS Virola-Jatobá,
onde a maioria das 180 famílias tenta impedir que extrativistas ilegais
continuem a roubar sua madeira.
Eles fazem rodízio durante as 24 horas do dia para guardar a
entrada do local.
No final de setembro, uma família descobriu que os
madeireiros haviam construído em segredo uma trilha para os fundos de sua
terra, para que pudessem escoar a madeira cortada por um afluente do rio
Amazonas. No dia seguinte, um pequeno grupo de assentados, acompanhado por
funcionários do Incra, acompanharam à distância o som das motosserras até
flagrarem a atuação dos madeireiros.
Um dos assentados, que prefere não se identificar, admite
ter sentido medo. "Não sabíamos o que esperar. Tínhamos medo de que
houvesse guardas armados protegendo (os madeireiros)." Mas não estavam, e
aceitaram interromper a extração de madeira. Os dois lados acabaram jantando
juntos.
Ameaças
Ao mesmo tempo, autoridades brasileiras estão capacitando
alguns assentados para que eles façam a extração de madeira dentro da lei, mas,
por conta disso, passam a sofrer ameaças dos extrativistas ilegais.
Urará, uma cidade de 50 mil habitantes na região da Transamazônica,
é uma típica cidade de fronteira, sem água corrente, esgoto ou aeroporto -
exceto as pequenas pistas clandestinas, que muitos dizem ser usadas para o
tráfico de drogas.
A cidade tem em abundância, porém, empresas madeireiras,
principais motores de sua economia.
Quando escurece, caminhões sem placas chegam a áreas
repletas de madeira que, segundo os moradores, são extraídas ilegalmente.
Na manhã seguinte, saem emplacados e carregados com madeiras
identificadas, conforme a lei. Essa madeira poderá ser vendida no mercado
doméstico ou exportada.
Conflitos de terra
Os assentamentos de Esperança e Virola-Jatobá foram criados
pela freira americana Dorothy Stang (morta em 2005 por atiradores que agiam em
nome de proprietários de terra da região) como uma forma de reagir à ocupação
da floresta feita pelos madeireiros.
Os locais têm forte ênfase na conservação da Amazônia - os
assentados podem cultivar suas terras, mas não vendê-las.
Tanto o Esperança quanto o Virola-Jatobá se mostraram
bem-sucedidos, mas - considerando que eles não foram totalmente endossados pelo
governo brasileiro - seu modelo são foi replicado na região, como queria
Dorothy Stang.
As disputas de terra que resultaram em sua morte permanecem
vivas.
Em 2009, uma placa de homenagem foi pregada a uma árvore
próxima de onde a irmã Dorothy foi assassinada. Logo a placa foi cravada com
balas de revólver. A mensagem é clara: fazendeiros que resistem à extração
ilegal de madeira estão correndo riscos.
Fonte: http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,madeireiros-ilegais-desafiam-combate-ao-desmatamento-na-amazonia,966815,0.htm
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