(*) Luciano Pizzatto
Fruto de uma família de empresários florestais e da formação
da primeira escola de florestas do Brasil na UFPR, que trouxe sua base de
professores da Alemanha e outros países Europeus, e depois exportou seu
conhecimento para iniciar uma revolução no continente Africano no meio de
outras revoluções libertárias onde alguns colegas deram seu próprio sangue
cumprindo seu dever profissional, como trágica morte em Moçambique, continuo
a ter a semente do manejo florestal
dentro do meu ser.
Mesmo no período de formação acadêmica onde os incentivos
fiscais fomentavam com ênfase as florestas plantadas, mantive a crença de que
o meio deve ser utilizado com seu potencial
natural otimizado pela capacidade de engenhar e potencializado em uma sinergia
sem fim.
Crença tão profunda quanto a surpresa de ter elaborado um
projeto especifico e averbado no ex-IBDF registrando APPs e Reserva Legal em
1979, e após receber oficio de que tinha praticado ato patriótico por ter sido
o primeiro no Brasil a cumprir neste tópico o Código Florestal, hoje, tema na
sociedade e no Congresso Nacional de guerra quase campal e no fundo dissociada
do verdadeiro tema da conservação por abdicar da ciência e do bom senso. Ato na época com mapas feitos
a bico de pena de nanquim, hoje adequados e facilitados pela computação ou a
facilidade de imagens. Se o nanquim era patriótico, o manejo tecnológico atual
também deveria ser, mas não é, tornou-se policialesco.
Mas o tema é manejo.
Centros de pesquisas que não conseguiam sequer engenheiros
na década de 60 e 70, quanto mais com mestrado, iniciavam suas atividades na
Amazônia, outros no sul, e a escola de florestas pioneira se multiplicou em
dezenas pelo pais, com mestrados, doutorados, pós doutorado, e na atualidade a
floresta nativa passou a ser tema onde de economistas a curiosos são entendidos
e ouvidos como protetores do nosso
futuro, menos ou poucos engenheiros florestais.
Na divergência democrática, necessária, instalou-se o pior
dos males, aquele feito em nome do bem!
Mas e o manejo? A ciência florestal com milhares de estudos,
de alternativas, de mecanismos biológicos até a simples gestão dendrométrica,
aplicada e aceita no mundo inteiro, uma unanimidade nas áreas passiveis de uso,
passou a ser no Brasil atividade criminosa, quando não autorizada …. e
raramente é autorizada, e o crime é a falta da autorização, portanto a
autorização passou a ser instrumento discricionário, corrupto e político.
Os remanescentes florestais nativos no sul e sudeste,
excluídos os protegidos, são hoje raros mosaicos de qualidade que existem por
terem sido conservados exatamente pelo manejo, interligados por áreas
degradadas, capoeiras e outros estágios, a espera da continuidade de uma coisa
simples: manejo. Seja com seu enriquecimento, ou de qualquer outro sistema
adotado. Manejo de longo prazo, vinculado ao próprio ciclo de vida das espécies
manejadas, com ênfase a orientação do responsável técnico e da dinâmica do
meio, e não um manejo politizado e tecnocrata, ao modelo dos projetos de
reflorestamento ou os ultrapassados planos de corte de árvores plantadas,
limitados a conceitos de blocos ou outra forma cartorial de garantir a
incompetência de orientação técnica e fiscalização dos poderes públicos. Manejo
fruto da história e da ciência, e não da satisfação centralizadora em um Estado
que descobriu o caminho do controle político do meio.
E porque não fazer? Qual a força que dominou toda uma
academia permeando os órgãos públicos, e convenceu a sociedade que o não uso
das florestas é o caminho da salvação, fazendo ouvidos surdos aos que ainda
ensinam esta ciência ou letra morta as leis que determinam sua execução, em um
discurso na contramão de todos os países desenvolvidos que continuam a utilizar
o manejo.
Como conseguimos errar tão profundamente na tentativa de
fazer o bem.
Quando vejo que a mesma propriedade rural considerada
patriótica na década de 70, depois modelo com premio de ecologia na década de
80, após pioneira em certificação florestal e base de uma economia geradora de
milhares de empregos, incluindo das dezenas de pesquisadores que apoiavam as
atividades de manejo, se transformou em foco de “crime ambiental”, e com a
paralisação do seu manejo na perda da capacidade de conservar espécies
ameaçadas, do chamado sustentável, tento encontrar a resposta de como fomos
chegar a este erro.
Quando vejo estagiários de engenharia florestal achar que
manejo é destruir o planeta, e afirmar isto no meio de milhares de araucárias
manejadas a quase um século, frente ao testemunho do erro de milhões de
hectares vizinhos sem manejo e sem nenhuma arvore, tento descobrir onde nossa
primeira escola de florestas foi perdida e hoje cria céticos que negam o que
seus próprios olhos deveriam comprovar.
Temos a obrigação moral, técnica e humana de dar um basta a
este confronto ideológico danoso, a legiscracia que troca pareceres
especializados por artigos ou parágrafos de resoluções como dogmas, e resgatar
a ciência florestal, mostrar aos meios de comunicação o que é realmente o
manejo, exigir os poucos direitos que sobraram no emaranhado legislativo, e
passar a apreciar a profissão florestal, de engenheiros a biólogos, caminhando
nas florestas e tendo o direito de engenhar, de construir a proteção florestal necessária ou
determinando o uso do que é passível.
E nenhum ato protetivo é excludente as ações de manejo. São
partes do mesmo processo, só não se sustentam se continuarem a ser realizados
em parte ou isolados, onde a preservação torna-se discurso relevante por ser
agradável e politicamente correto e a conservação no conceito amplo é limitada,
complexa para os simplistas, impedindo-se até mesmo a difusão do que seja o
manejo para rendimento sustentado.
A coexistência é defendida em todos os ambientes teóricos, e
na pratica combatida nas ações, em uma incoerência insuportável. Defendemos RLs
de 20 a 80%, que é o mesmo que defender áreas de uso (o que sobra das RLs e
APPs) de 80 a 20%! E melhor que converter estas áreas florestais em outros usos
– que não é mérito deste artigo – é preferível defender que o direito de uso
seja pela opção do uso florestal, pelo manejo.
O conflito atual está em dar obrigações e direitos, e depois
só usar o poder discricionário de fiscalizar e impor as obrigações, com
rapidez, e os direitos, se perderem em processos intermináveis com imenso
esforço contrario, quando também deveria ser eficiente, rápido e estimulado.
Proteção e uso é a mesma coisa, desde que dosados para cada situação, com a
mesma vontade de realizar através da aplicação do conhecimento.
Temos de ensinar nas escolas primarias como é importante
plantar arvores, e como importante depois é manejá-las, no mínimo quando
morrerem! A nova geração não pode ser enganada, nem em nome da boa intenção.
Tem que aprender a dizer não e sim, quando e pra que.
Ganhamos tecnologia, satélites, comunicação, equipamentos e
trocamos estas comodidades pelo que sabíamos, pela experiência dos erros e
acertos, pelo esquecimento da história florestal e de que o futuro irá nos
atropelar e cobrar o silencio por acharmos que fazemos o bem.
No Manejo Florestal espero em breve voltar a falar de
ciência, e muito pouco de policia.
* É engenheiro florestal, especialista em direito
socioambiental e empresário, diretor de Parques Nacionais e Reservas do
IBDF/IBAMA 88/89, deputado desde 1989, detentor do 1º Prêmio Nacional de
Ecologia.
Fonte: http://noticias.ambientebrasil.com.br
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