Mais da metade dos incidentes públicos na China são
originados da insatisfação com o meio ambiente no país, conforme Chen Jiping,
ex-chefe do Comitê de Assuntos Políticos e Legislativos do Partido Comunista da
China (PCC). Há entre 30 mil e 50 mil protestos anualmente no país, de acordo
com Chen.
“Se você quer construir uma planta industrial, e essa planta
poderá causar câncer, como as pessoas poderiam permanecer calmas?”, indagou
Chen durante a Conferência Popular de Consulta e Política em abril, em Pequim.
Com o aumento da pressão social, até mesmo as políticas
nacionais precisaram ser mudadas. Na semana passada, foi o final de semana que
mudou de data. A China celebra no dia 4 de maio um importante movimento
estudantil ocorrido em 1919. Mas em Chengdu, capital da província de Sichuan, a
data também representa o aniversário de seis anos de um protesto contra a
construção de uma refinaria de óleo e produtos petroquímicos, como o P-xileno,
da PetroChina – um projeto que absorveu um investimento de US$ 6 bilhões.
Durante a semana que precedeu o dia 4, milhares de mensagens
e panfletos foram distribuídos pela cidade e entre seus 15 milhões de
habitantes urbanos. Os textos chamavam para um protesto contra a instalação de
outras fábricas que produzem P-xileno – um químico altamente poluente utilizado
na fabricação de plástico PET – na região. Uma mulher foi obrigada a pedir
desculpas na televisão local por repassar um post no seu microblog pessoal
sobre o protesto, marcado para o meio-dia de sábado.
Dez dissidentes foram presos e moradores receberam a visita
de policiais que pediam que as pessoas “não acreditassem nos boatos
disseminados por pessoas que queriam utilizar a data para criar caos”. A
resposta do governo provincial foi trocar o final de semana para a
segunda-feira, dia 6, deixando o sábado como um dia útil e minando as chances
de o protesto virar um grande aglomerado fora do controle.
Procurada pelo Terra, a prefeitura de Chengdu não quis dar
entrevista sobre o ocorrido.
Em Kunming, cidade vizinha, o protesto contra a mesma
fábrica aconteceu e levou mais de duas mil pessoas às ruas. A refinaria da
PetroChina é alvo de protestos desde 2007, e a mobilização social já conseguiu
embargar a contrução de plantas nas cidades de Xiamen, Dalian e Nigbo.
“Arpocalipse” – Estudo publicado em março pelo Deutsche Bank
aponta que o governo central precisa de um plano “big bang” para lidar com sua
crise ambiental. O nome do plano sugerido pelo banco é consoante à realidade
dos números da poluição do ar no país, que chegaram ao cataclismo em janeiro
deste ano.
Em uma escala de medição da concentração de partículas PM
2.5 (as de diâmetro igual ou inferior a 2.5 micrômetros, altamente nocivas por
serem difíceis de serem filtradas) em um metro cúbico de ar chegou a 993 em
janeiro em Pequim – em um episódio que ficou conhecido como o “arpocalipse”. A
régua de medição, criada em Pequim pela Embaixada dos Estados Unidos, vai de 0
(ar não é poluído) a 500 (poluição altamente nociva). Conforme a Organização
Mundial da Saúde, concentrações acima de 100 micrômetros por metro cúbico são
consideradas o pior nível para a saúde.
Na capital chinesa, a situação é mais do que caótica. Um
estudo liderado pela Universidade de Pequim e o Greenpeace mostra que o alto
índice de PM2.5 no ar causam a morte de 8.572 pessoas ao ano, o que representa
um perda econômica de US$ 1,08 bilhão ao centro do poder do PCC.
Depois do “arpocalipse” de janeiro, a prefeitura de Pequim
anunciou um investimento de 100 bilhões de yuans (R$ 32,7 bilhões) em três anos
para tratar da poluição do ar e esgotos. Mais de 39% da contaminação do ar na
cidade, contudo, vem dos arredores; em um raio de 600 quilômetros da cidade há
mais carvão consumido do que nos Estados Unidos. A província vizinha de Hebei é
responsável por 80% da queima nacional de carvão – a fonte de energia mais
utilizada na China. Entre 50% e 70% das PM2.5 respiradas em Pequim são oriundas
de Hebei e Shandong, que dividem fronteira com a capital. As duas províncias
juntas consumiram, em 2011, 700 milhões de toneladas de carvão – mais do que a
Alemanha queima anualmente e do consumo total da Índia –, segundo o Greenpeace.
Mídia – Pauta diária das mídias nacional e estrangeira, a
crise ambiental chinesa tem levado centenas de milhares de chineses às ruas
para protestar por melhores condições de vida. E muitos dos protestos, como o
marcado para acontecer no dia 4 de maio em Chengdu, tornam-se possíveis em
função das novas ferramentas eletrônicas disponíveis.
“O governo agora se vê pressionado para lidar com os casos
mais rapidamente, pois a imprensa está revelando muito mais casos, e as pessoas
ficam sabendo mais através das mídias sociais”, aponta Ma Haibing, gerente do
programa para a China do Worldwatch Institute, de Washington.
De acordo com Yang Zhaofei, vice-diretor da Sociedade
Chinesa de Ciência Ambiental, o número de incidentes públicos envolvendo
poluição vem crescendo a uma média de 29% ao ano desde 1996. No ano passado, o
aumento foi de 120% comparado ao ano anterior. “Esse acréscimo está ligado
intimamente à popularização da internet e, especialmente, ao surgimento dos
microblogs”, avalia Ma.
O especialista explica que, há uma década, o assunto “meio
ambiente” era ainda um tabu, e muitas das histórias envolvendo vilas de câncer
e poluição por fábricas eram somente reveladas por empresas de mídia de outras
províncias, que não poderiam sofrer retaliação das prefeituras diretamente. Com
a escalada do uso de redes sociais nos últimos dois anos, ocultar casos como o
de Sichuan se tornou uma tarefa quase impossível.
Em Niuchong, uma vila na província de Hubei, o número de
pacientes com câncer aumentou 80% nos últimos 30 anos. A poluição da água por
crômio-6, cádmio e arsênico causada pela Dasheng, empresa que explora mina de
fosfato e fabrica fertilizantes, fez de Niuchong um dos mais novos casos
crônicos de vilas de câncer na China – um lugar onde nem os porcos sobrevivem à
alimentação com melancias plantadas na região. Desde 2010, um grupo organizado por
camponeses locais protesta semanalmente em frente às portas da fábrica. Os três
primeiros líderes das mobilizações foram presos.
Liu Jianqiang, editor do portal China Dialogue e
especialista em meio ambiente, acredita que o crescimento da classe média e a
melhora da qualidade de vida contribuíram com a coragem que a sociedade
precisava para levar os protestos do mundo virtual para o real. “A situação já
está intolerável, e é uma ameaça à saúde e à vida. Morador de nenhuma cidade
vai mais aceitar que uma fábrica esteja matando seus filhos – e filhos únicos –
pouco a pouco para garantir suas altas receitas.”
Fonte: Terra
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