segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Mar, petróleo e biodiversidade: a geografia do conflito

O Greenpeace mapeia o litoral brasileiro para mostrar que a conservação marinha e o desenvolvimento da indústria de petróleo entraram, de uma vez por todas, em rota de colisão. O mapeamento, dividido por 4 regiões da nossa costa, conta uma história de descaso com a conservação diametralmente oposto ao incentivo para o crescimento da exploração petrolífera.



Veja abaixo a introdução do trabalho, que pode ser conferido na íntegra em

http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/Um-conflito-que-faltava-no-mapa/#comments-holder


"Este atlas tem como objetivo expressar para o público em geral, por meio da representação em mapas desenhados para funcionarem como um guia seguro de interpretação da realidade, o conflito cada vez mais intenso que ocorre em nosso litoral entre a preservação ambiental e o desenvolvimento econômico. Cartografia e poder sempre andaram juntos. Por meio da representação territorial em mapas que os países europeus reclamaram a posse dos seus novos domínios no continente americano. Os mapas funcionavam como títulos de propriedade, uma espécie de escritura pública lavrada em cartório indicando o proprietário da casa.


É por isso que os Estados procuraram assegurar o domínio da técnica de representação dos espaços geográficos, o que levou a cartografia a se transformar em um ramo do conhecimento altamente especializado. Mas, se o uso da cartografia podia parecer importante apenas para a disputa entre países, hoje não é mais possível deixar de pensar no seu emprego diante das disputas que se travam em cada lugar sobre o uso dos recursos naturais. Com a redemocratização do país, no final dos anos 80, algumas organizações da sociedade civil começam a utilizar a cartografia como meio de auxiliar os movimentos sociais a reivindicarem do Estado a proteção de vastas extensões de terras, em especial na Amazônia, ameaçadas por madeireiros e garimpeiros.


O trabalho de organizações como Imazon, Instituto Sociambiental e Greenpeace ajudou a quebrar o monopólio estatal da cartografia, permitindo que a sociedade civil registrasse em mapas as disputas que aconteciam no mundo real, dando-lhes visibilidade diante de governos que teimavam em não enxergar o que acontecia. Mas, se já foi possível andar muito no que diz respeito aos mapas para os ambientes terrestres e para as nossas florestas, ainda temos muito a fazer em relação à nossa zona costeiro-marinha, cuja extensão é de aproximadamente 4,5 milhões de quilômetros quadrados1 que se alongam por mais de 8.600 km. Isso é o que chamamos de litoral, incluindo manguezais, recifes de corais, dunas, restingas, praias, costões rochosos, lagoas e estuários que abrigam inúmeras espécies da flora e da fauna, muitas das quais ameaçadas de extinção.


Apesar da sua importância ecológica, atividades econômicas impactam seriamente a zona costeira, sem que sejam adotadas medidas para sua proteção. Em 2007, o Ministério do Meio Ambiente divulgou estudo reconhecendo que cerca de 44% da extensão total da zona marinha brasileira é área prioritária para a conservação da biodiversidade. Infelizmente, apenas 2,57% dessas áreas prioritárias já foram transformadas em unidades de conservação federais. No entanto, a exploração e a produção de gás e óleo foi aquinhoada, até agora, com 8,77% de áreas que deveriam ser transformadas em áreas marinhas protegidas.


O interesse pela utilização de novas áreas no litoral deverá crescer com o início da exploração do pré-sal, tornando ainda mais complicado e difícil o atendimento da recomendação do Ministério do Meio Ambiente para a criação de unidades de conservação em nossa zona marinha.


O Greenpeace espera que a publicação ajude a despertar a consciência sobre a necessidade urgente de criar mais e melhores unidades de conservação marinhas, fundamentais para o bem-estar da população brasileira."


João Talocchi


Sergio Leitão


Diretor de Campanhas do Greenpeace Brasil

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Ibama e Energisa firmam parceria para Centro de Triagem de Animais Silvestres em Nova Friburgo, RJ

A Energisa, que está construindo três pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) no Rio Grande, junto aos municípios de Bom Jardim, São Sebastião do Alto e Santa Maria Madalena, cujo licenciamento ambiental está a cargo do Instituto Estadual do Ambiente (Inea-RJ), atendeu a uma solicitação do Ibama de Nova Friburgo para tornar permanente um Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), dos três centros temporários que serão instalados na região, visando monitorar e manejar os animais quando do processo de enchimento dos reservatórios das usinas. Esta é uma entre outras ações que visam a perfeita adequação ambiental dessas centrais hidrelétricas, o que demonstra a efetiva preocupação da Energisa com a preservação do patrimônio ambiental da região.

O Centro de Triagem de Animais Silvestres desafogará os trabalhos do Ibama local na área de fauna, evitando que muitos animais apreendidos nas ações de fiscalização sejam levados para outros municípios, às vezes distantes e com clima totalmente diverso de seus locais de origem.

A ideia é que os animais apreendidos sejam depositados no Centro de Triagem e, depois de devidamente reabilitados, encaminhados à soltura em seus habitats. Os animais que porventura não puderem ser soltos na região serão devidamente encaminhados pelo Ibama para criadouros científicos, conservacionistas ou até mesmo comerciais.

Todo o processo de construção e manutenção do Cetas será efetuado pela própria Energisa, arcando com todos os custos, estando o Ibama encarregado de dar somente as orientações técnicas de seu funcionamento. Inicialmente o Cetas será específico para aves, o que já desafoga sobremaneira os trabalhos do Ibama, uma vez que aproximadamente 80% dos casos de apreensões de fauna envolvem essas espécies, cabendo os restantes 20% a mamíferos, répteis e insetos.

"Acreditamos que a partir do ano que vem já teremos condições de utilizar este Cetas em nossa Região Serrana. A sociedade serrana ganha muito com essa iniciativa", diz Mauro Zurita Fernandes, coordenador do Ibama em Nova Friburgo.

Fonte : A Voz da Serra

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

ONU buscará acordo climático limitado durante reunião em Cancún

17 / 11 / 2010

Quase 200 países se reúnem a partir do final do mês no México para tentar definir a criação de um fundo ambiental para países pobres e de outras medidas que levem à adoção de um novo tratado climático mundial, em meio a alertas de que a falta de ação está elevando os custos do combate às mudanças no clima.

As expectativas de adoção desse tratado se frustraram na cúpula climática de Copenhague em 2009. Para a reunião deste ano as ambições também são menores.

"Os países perceberam desde Copenhague que não há uma grande solução", disse Christiana Figueres, chefe do Secretariado Climático da ONU. "Precisamos levar esse processo um passo adiante. Tudo me diz que há um acordo a ser feito", disse ela, referindo-se à reunião de Cancún, entre 29 de novembro e 10 de dezembro.

Mas até mesmo a adoção de um acordo limitado será um grande desafio, após um ano de intensas divergências entre EUA e China, os dois maiores emissores mundiais de gases do efeito estufa.

A China e outros países em desenvolvimento alegam que as nações ricas deveriam realizar reduções mais incisivas nas suas emissões; os EUA e outras nações desenvolvidas afirmam que grandes economias emergentes também precisam arcar com responsabilidades.

"Que a China e os Estados Unidos estejam num impasse é um fracasso muito confortável para todos os envolvidos", comentou Shane Tomlinson, diretora de desenvolvimento do instituto E3G, em Londres.

Na semana passada, a Agência Internacional de Energia (AIE) disse em um relatório que o custo de uma ação firme contra o aquecimento global até 2030 subiu de 17 para 18 trilhões de dólares só por causa dos adiamentos nas decisões em 2010.

"Se ainda não houver acordo em Cancún e na África do Sul (sede da reunião climática da ONU em 2011), esse custo irá subir mais, e isso tornará ainda menos provável que algum dia tenhamos um acordo", disse Fatih Birol, economista-chefe da AIE.

"Será definitivamente um acréscimo da ordem de centenas de bilhões de dólares", afirmou ele à Reuters. Os custos, explicou, estariam relacionados à migração do uso de combustíveis fósseis para as energias "limpas", como a eólica e a solar.

O objetivo das negociações de Cancún é prorrogar e ampliar o Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. A atual versão do protocolo só exige cortes nas emissões dos países desenvolvidos, mas os EUA não participam.

Outro impasse entre países ricos e pobres diz respeito aos cerca de 30 bilhões de dólares da ajuda climática imediata para as nações em desenvolvimento, um dos poucos resultados concretos do evento de Copenhague-2009.

Países em desenvolvimento dizem que a ajuda já liberada é insuficiente, e que grande parte está apenas sendo remanejada de verbas anteriores, em vez de ser um auxílio 'novo e adicional' como previa o documento de Copenhague.

Fonte: G1

sábado, 13 de novembro de 2010

O homem tradicional, o homem moderno e a crise ambiental

O texto que se apresenta em seguida é uma tradução da versão inglesa, publicada no Volume 12 – Número 2 (2000) do Sophia – The Journal of Traditional Studies, de uma entrevista efetuada pela revista espanhola Agenda Viva em Outubro de 2006 a Seyyed Hossein Nasr, autor.

O que significa "natureza" para você?

Seyyed Hossein Nasr: Tudo o que não é criado por seres humanos nem afetado pelas suas atividades humanas é natureza (no contexto aqui usado), do topo das montanhas ao fundo dos oceanos, das algas aos elefantes. De certo modo, o homem faz também parte da natureza na medida em que o seu corpo segue as mesmas leis naturais e físicas que seguem todos os restantes seres no mundo natural; no entanto, ao lhe ser dada a liberdade para se insurgir contra Deus e dessacralizar a natureza, o homem, de um outro ponto de vista, não é tecnicamente semelhante aos outros seres naturais. De todo o modo, eu defino natureza aqui como tudo o que não é humano e não é afetado pela atividade humana. É claro que, nas sociedades tradicionais, tais atividades estavam naturalmente em harmonia com a natureza mas, no caso das sociedades industrializadas, elas não têm qualquer tipo de harmonia. Escusado será dizer que, mesmo no nosso mundo atual, a natureza e os ambientes criados pelo homem também se interpenetram das mais variadas formas.

Como descreveria o atual estado do ambiente natural e da relação do mesmo com os seres humanos?

Seyyed Hossein Nasr: O homem moderno e pós-moderno destruiu grande parte da natureza, desde florestas a bancos de corais, e o que resta está gravemente ameaçado. A situação é crítica. Com a propagação global do paradigma modernista, o qual é inseparável das idéias de poder e domínio sobre a natureza de modo a satisfazer as sempre crescentes "necessidades" (as quais na maior parte dos casos não são mais do que desejos criados artificialmente e não verdadeiras necessidades), o caso é cada vez mais grave. No entanto, no decurso das últimas décadas, ocorreu também um despertar, no Ocidente e mais recentemente também no mundo não ocidental, entre um número de pessoas preocupadas com o estado precário do mundo natural e com a necessidade de cultivar uma atitude correta para com a natureza de modo a não destruir o que resta dela. Deve ser relembrado, no entanto, que por muito que a natureza seja explorada e destruída pelo homem, será ela a ter a última palavra a dizer.

Num dos seus livros traça uma correspondência entre a atual crise ambiental e a crise espiritual do homem moderno. Poderia desenvolver um pouco aqui essa idéia?

Seyyed Hossein Nasr: A crise na relação dos seres humanos com a natureza nasceu no Ocidente moderno com base em dois erros: a incompreensão do significado profundo da natureza do homem e a incompreensão da realidade sagrada da natureza. Foi em consequência desta crise espiritual que ocorreu durante a Renascença e o séc. XVII, que o homem moderno veio a considerar-se, na medida em que se tornou "moderno," como um ser puramente terrestre, sem qualquer responsabilidade para com Deus e a Sua criação. Também em resultado desta crise espiritual e intelectual, a realidade sagrada da natureza foi posta de lado e passou-se a olhar para a mesma em termos puramente quantitativos e mecânicos, tal como vemos na física clássica. É esta crise espiritual interior que se torna cada vez mais refletida exteriormente a partir da Revolução Industrial.

No seio do movimento ambiental tem sido dito que os humanos são o maior inimigo da natureza e que a sua existência não é essencial para este planeta devido ao seu caráter destrutivo. O que pensa sobre esta afirmação?

Seyyed Hossein Nasr: Não são todos os seres humanos, mas apenas o homem moderno, o maior inimigo da natureza. Os aborígenes vivem na Austrália há mais de 40000 anos e não tivessem os seus padrões tradicionais de vida sido tão drasticamente alterados pelo homem branco como o foram nos últimos anos, poderiam ter vivido outros 40000 ou mais na maravilhosa natureza virgem da Austrália. O mesmo não se pode dizer dos habitantes da zonas urbanas de Sidney ou Melbourne ou, mais precisamente, de qualquer outra cidade moderna, de Seoul a Nova York. A existência do homem moderno não é necessária para a natureza e o modo de vida moderno não pode, de fato, continuar por muito mais tempo no seu percurso atual. Mas o homem na sua realidade perene, isto é, o homem tradicional, foi e continua a ser, na medida em que tal ser subsiste, sempre uma fonte de graça para a natureza, e a sua presença na terra permitia e continua a permitir que a natureza respire o ar do mundo espiritual. Existem razões esotéricas, cosmológicas e metafísicas para que a natureza não possa existir sem o homem. Não posso entrar aqui em detalhes sobre elas mas foram discutidas em vários dos meus livros, especialmente no Man and Nature: the Spiritual Crisis of Modern Man (Kazi Publications, 1998), no Religion and the Order of Nature (Oxford, 1996) e no Knowledge and the Sacred (SUNY, 1989).

Nos seus livros afirma que a ciência atual e o modo de vida que promulga são criações do homem profano. O que significa aqui a palavra profano?

Seyyed Hossein Nasr: Com a palavra profano quero dizer o tipo de ser humano que deixou de ter a sua base no Sagrado e que, cada vez mais, perdeu inclusive o sentido do sagrado. Por essa razão, quer as faculdades mentais com as quais pensa, quer o objeto da sua ciência, que é a natureza, tornaram-se dessacralizados – esvaziados do sagrado. É a tal pessoa que chamo homem profano (ou, é claro, mulher, pois o termo homem aqui usado não diz respeito ao género, mas sim ao ser humano como tal).

Porque razão diz que o cosmos é como um livro com múltiplos significados?

Seyyed Hossein Nasr: O que é um livro? É um determinado número de folhas de papel nas quais se encontram escritas algumas figuras num determinado tipo de tinta, figuras essas que possuem um significado para além da sua forma exterior. De modo a compreender esse significado é necessária a linguagem com a qual o livro foi escrito. Vejamos agora, o cosmos é como um livro no sentido em que cada um dos seus fenómenos possui um significado no interior e para além da forma exterior e das características do fenómeno em questão. Se não conhecemos a linguagem com a qual um livro é escrito, podemos de qualquer forma pesá-lo e medir as suas dimensões. As ciências quantitativas da natureza fazem precisamente o mesmo vis-à-vis o livro cósmico. Elas estudam os aspectos quantitativos dos fenómenos naturais, mas esqueceram-se da linguagem com a qual o livro da natureza ou o livro cósmico foi escrito e, assim, não podem compreender a mensagem nele contida.

Será possível aprender a ler os sinais da natureza e compreender o seu significado?

Seyyed Hossein Nasr: Sim, é possível dominar a linguagem de modo a sermos capazes de ler de novo o livro cósmico, tal como o faziam os antigos. Mas para alcançar este feito é necessário compreender, antes de tudo, a necessária metafísica e cosmologia, bem como ser capaz de viver de novo num universo intelectual e espiritual tradicional, o único ambiente onde esta linguagem pode ser dominada.

Qual da ciências atuais considera a mais próxima de um conhecimento do homem e da natureza?

Seyyed Hossein Nasr: Nenhuma das ciências modernas está próxima da verdadeira compreensão da relação entre o homem e a natureza, pois todas estas ciências baseiam-se no desprezar dos estados superiores do ser, incluindo a realidade espiritual. Mas uma vez que coloca essa questão, eu diria que, comparativamente, do ponto de vista da compreensão da admirável harmonia da natureza e da nossa relação com ela a ecologia seria a mais próxima. De um ponto de vista metafísico, no entanto, acredito que a mecânica quântica poderá ser importante caso se liberte da prisão da bifurcação cartesiana.

Como poderão as ciências orientais ajudar a compreensão ocidental da natureza?

Seyyed Hossein Nasr: As ciências orientais da natureza sejam elas chinesas, indianas, islâmicas ou outras, são baseadas numa cosmologia que continua ligada à metafísica. Elas estudam a natureza à luz dos princípios espirituais e intelectuais que transcendem a natureza física e que se baseiam numa profunda correspondência entre o homem e a natureza, localizada para além do simples quantitativo e material. É a isto que se chama antropocosmismo no pensamento do extremo oriente. Estas ciências, se estudadas em profundidade no ocidente, não como fases rudimentares da ciência moderna ocidental, mas sim como formas independentes de conhecer a natureza, podem revelar aspectos fundamentais da natureza e da sua relação com o homem, aspectos que estão escondidos da perspectiva daqueles cujos horizontes estão limitados pela ciência moderna. Mormente, estas ciências tradicionais podem ajudar a ressuscitar um sério interesse nestes tipos de ciência (como ciência e não como história) existentes no próprio ocidente, tal como, por exemplo, as ciências Herméticas.

Que papel deverá desempenhar a religião neste debate?

Seyyed Hossein Nasr: As religiões têm tudo a haver com a crise ambiental e com o respectivo debate, especialmente nos locais do mundo onde, ao contrário da Europa ocidental, as pessoas ainda são religiosas. Em primeiro lugar, foi a religião, no seu sentido mais vasto, que providenciou uma visão espiritual da existência, incluindo a natureza, em todas as civilizações tradicionais. Como já referi, se no Ocidente a natureza não tivesse sido secularizada, as ciências modernas, seculares e puramente quantitativas, não se teriam desenvolvido; nem tão pouco a tecnologia teria causado tantos estragos no ambiente. Em segundo lugar, as grandes religiões, bem como, especialmente, as religiões primordiais, possuem todas uma ética religiosa relacionada com o mundo da natureza e dos seres humanos. Isto é válido inclusivamente para o Cristianismo, apesar deste aspecto da tradição cristã se ter eclipsado nos tempos modernos e apenas nas últimas décadas os teólogos e éticos cristãos se terem voltado para o problema e proclamado S. Francisco como o santo padroeiro da ecologia. Existe definitivamente a necessidade daquilo que agora se apelida de "esverdear" da religião, isto é, o reavivar dos aspectos dos seus ensinamentos que lidam com o ambiente natural e com a responsabilidade do homem perante a criação de Deus. Consegue imaginar a diferença que faria para a preservação do ambiente natural se os pregadores cristãos e muçulmanos, bem como os professores hindus e budistas, continuassem a relembrar aos cristãos, muçulmanos, hindus e budistas nos seus sermões e discursos diários do seu dever religioso como protetores da criação de Deus e não seus inimigos?

Qual é a sua opinião do nível de conhecimento que se pode obter, digamos, de um coiote, através dos estudos de um zoologista a partir da análise dos seus hábitos externos ou da dissecação do seu cadáver, e aquele que pode obter um xamane índio que se identifica com o espírito do animal?

Seyyed Hossein Nasr: A minha opinião é que conhecer o arquétipo – a essência – de um animal é uma forma mais elevada de conhecimento do que conhecer o seu peso, anatomia e hábitos de acasalamento. Este último conhecimento não é, de modo algum, insignificante, e é válido e legítimo ao seu próprio nível, não esgotando, no entanto, a realidade do animal. O conhecimento do animal na sua realidade essencial é sem dúvida um conhecimento mais profundo. É a isso que me referia quando escrevi sobre o homem que se identificava com o coiote, tal como podemos ver nas tradições dos nativos americanos.

Nos tempos atuais, se existe um ponto no qual muitos cientistas e religiosos se interceptam, esse ponto é o anúncio do iminente fim dos tempos como resultado de grandes catástrofes globais. Qual é a correspondência entre estes dois grupos no que respeita a este ponto?

Seyyed Hossein Nasr: As religiões falam do fim da história e de eventos escatológicos tal como vemos muito explicitamente nas fontes tradicionais hindus, cristãs e islâmicas. Elas falam também dos "sinais dos tempos," sinais que caracterizam o fim da história tal como a conhecemos. O que os cientistas dizem sobre os iminentes desastres ambientais corresponde de muitas formas a estes profetizados "sinais dos tempos." No entanto, é um grave pecado, falando em termos teológicos, continuar a destruir a natureza em resultado de crenças escatológicas que possamos ter. Esta seria a maior afronta a Deus, pois devemos continuar a seguir os seus ensinamentos enquanto o mundo existir. Seríamos nós, verdadeiros seguidores de uma religião, capazes de ir contra os ensinamentos dos fundadores das nossas religiões incluindo Cristo e não mais ajudar os pobres com o argumento de que a terra será destruída em breve e que é inútil aliviar o sofrimento dos outros? Apenas Deus sabe quando chegará "a Hora", como dizem os muçulmanos. O Profeta do Islã disse que plantar uma árvore é um ato abençoado mesmo que o mundo esteja para acabar no dia seguinte.

Existe alguma esperança para uma reconciliação dos seres humanos com a natureza – para que nós como seres humanos possamos tomar o nosso devido lugar na ordem da natureza?

Seyyed Hossein Nasr: É claro que existe sempre esperança, e a esperança, tal como disse Santo Agostinho, é uma virtude teológica. Mas depois de passado quase meio século de preocupação e estudo da crise ambiental, cheguei à conclusão que, à exceção de uma intervenção divina, a única hipótese para a presente humanidade é uma grande catástrofe que seja extensiva o suficiente para mudar o paradigma que domina o pensamento e a atuação do homem moderno, e que quebre os seus hábitos de necessidades e de consumo infindável sem qualquer preocupação com os direitos do mundo não humano. Detesto afirmar tal coisa mas, para ser realista, uma vez que a humanidade moderna recusa alterar os seus modos de atuação de uma forma significativa através da educação na escala de tempo e na janela de oportunidade que temos, é melhor que ocorra uma calamidade significativa que cause o despertar da humanidade, do que todos os homens e outras criaturas experienciem uma morte lenta ou um cataclismo totalmente devastador. Espero estar errado nesta análise. De qualquer forma, esperemos que a humanidade recupere o bom senso por si próprio antes que surja qualquer cataclismo que nos force a tal. Uma coisa é certa, o que quer que façamos à natureza e por mais certos que possamos estar em resultado do nosso orgulho pelo domínio da natureza, será, como referi anteriormente, a natureza a ter a última palavra a dizer. Finalmente, devemo-nos lembrar que, em última análise, todas as coisas estão nas Mãos de Deus. Devemos fazer o que pudermos e confiar Nele com todo o nosso ser. E Deus sabe mais.

Fonte: WWW.sabedoriaperene.blogspot.com

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Meio Ambiente de Nova Friburgo em 2010: o Ano Internacional da Biodiversidade

Por Rodrigo Campos


O ano de 2010 foi definido pela Organização das Nações Unidas - ONU como o Ano Internacional da Biodiversidade. No mês de outubro foi realizada no Japão a Conferência da ONU sobre Diversidade Biológica (COP-10). O encontro no Japão reuniu os 17 países que abrigam a maior parte das espécies do planeta e juntos detêm cerca de 70% de toda a biodiversidade mundial e mais as principais potências econômicas mundiais e outros 100 países aproximadamente. O objetivo foi encontrar soluções que surtam efeitos de curto e médio prazo, com o objetivo de evitar novos colapsos ambientais e extinções de espécies no planeta.

Nesse quesito ambiental, o da biodiversidade, Nova Friburgo de destaca como um dos municípios mais conservados de todo o domínio da Mata Atlântica do Brasil. De acordo com o Atlas de Remanescentes da Mata Atlântica produzido em conjunto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e pela Fundação SOS Mata Atlântica, Nova Friburgo possui 40.614 hectares de vegetação nativa, ou 44% do território municipal. É o quarto município com maior área nativa, atrás apenas dos municípios da região turística da Costa Verde Paraty, Angra dos Reis e Mangaratiba.

Essa vegetação nativa constitui-se em quase sua totalidade em florestas secundárias em estágios médio e avançado de regeneração. Isso significa que a floresta original, ou primária, que existia na região antes da colonização branca já foi suprimida, dando espaço a uma nova e menos diversificada geração de plantas e animais e elas associados. Há também alguns fragmentos de vegetação rupestre e campos de altitude que são fisionomias compostas basicamente por plantas de porte arbustivo apoiadas em solos rasos e pouco nutritivos. Não há no município vegetação de restinga e manguezal, fisionomias vegetais presentes apenas nas áreas litorâneas.

Apesar de não ser primária, essa vegetação ainda assim constitui-se em um patrimônio natural extremamente valioso devido à grande diversidade de seres vivos que seus ecossistemas abrigam. O valor dessas vidas por si só já justificaria sua máxima proteção, mas soma-se a isso a sua importância para o bem estar da população humana ao redor devido aos serviços ambientais prestados, como a regularização do clima, a estabilização dos solos e das encostas, a potabilidade da água e a disponibilização de opções de lazer, tratamento medicinal, contemplação cênica e inspiração espiritual.

Assim como em todo país, Nova Friburgo apresenta problemas na relação homem-natureza que precisam ser geridos o quanto antes para que seja estancada toda a perda da biodiversidade que vivenciamos na atualidade com a destruição das florestas. A dinâmica econômica atual associada às características do relevo serrano não permitem que haja na atualidade grandes áreas de monocultura que avançam sobre as florestas nativas como ocorre nos planaltos do Cerrado e planícies da Amazônia. Aqui, a degradação se dá através do "efeito formiga". Esse efeito na zona urbana se dá principalmente pelo avanço das construções na periferia e nas encostas com declive acentuado que vão "comendo pelas beiradas" a floresta.

O aumento do tecido urbano em Nova Friburgo e o seu consequente avanço para áreas de floresta se dá principalmente por um crescimento demográfico interno. Não há uma contribuição tão significativa de "imigrantes", ou seja, pessoas vindas de outros municípios, como ocorre com mais intensidade, por exemplo, em Teresópolis, em cujas comunidades carentes moram muitos cidadãos vindos da região Metropolitana. Em Nova Friburgo é intenso o êxodo rural, onde os habitantes da zona rural buscam na cidade oportunidades e melhoria de qualidade de vida, o que, evidentemente, nem sempre ocorre. É curioso observar que apesar desse abandono aumentar a pressão ambiental nas cidades, por outro lado permite em muitos casos que a vegetação nativa se regenere nas terras que deixam de ser cultivadas no meio rural.

Esse relativo "equilíbrio", no entanto, pode vir a ser quebrado com a instalação do Complexo Petroquímico da Petrobras, o Comperj, no município de Itaboraí, que poderá, tendo em vista o seu excepcional porte, induzir um aumento populacional de origem externa em Nova Friburgo. Os trabalhadores de classe média tendem a ocupar bairros e localidades periféricos de bom padrão arquitetônico e os mais pobres tendem a ser dirigir para aglomerados urbanos mais densificados e de padrão arquitetônico inferior, como os localizados em morros e encostas com alta declividade. Em ambos os casos, o espaço construído tenderá a se expandir para áreas de vegetação nativa em variados estágios de regeneração e áreas de preservação permanente.

Na zona rural, o "efeito formiga" surge nas pequenas e médias propriedades, onde os proprietários desmatam fragmentos de floresta para dar lugar a pequenas culturas de subsistência, para cultivar espécies de relativa rentabilidade econômica como eucalipto, pinus e banana, e para ampliar as áreas de pastagens. Existe também uma perda de biodiversidade na região associada ao extrativismo ilegal de certas espécies como a palmeira jussara, para produção de palmito e várias espécies de orquídeas e bromélias, utilizadas com fins paisagísticos.

A atividade agropecuária tradicional gera impactos altamente negativos para a biodiversidade em Nova Friburgo e região. A prática de queimadas, sobretudo no período de estiagens do inverno, para ampliação das pastagens e a "limpeza" de áreas de agricultura muitas vezes tem como conseqüência a perda do controle do fogo, devido a fatores como vento, aceiros mal feitos, ou quaisquer outros motivos, atingindo áreas de vegetação nativa. Os incêndios, tanto em áreas de floresta quanto em pastagens e outras coberturas de vegetação são às vezes provocados também por uma simples queima de folhas secas ou por puro vandalismo, gerando perdas irreparáveis para os ecossistemas naturais. Pela legislação ambiental brasileira é proibido qualquer tipo de utilização de fogo, inclusive nas áreas de prática de "pousio", técnica que consiste em abandonar uma área por um determinado período de tempo para que o solo recupere pelo menos parcialmente sua capacidade produtiva.

A melhor alternativa para conciliar produção agrícola e recuperação da biodiversidade é a adoção de práticas agroecológicas, como, por exemplo, as agroflorestas. Estas se constituem na mescla de espécies vegetais para consumo humano com espécies nativas em uma mesma área. Essa técnica evita a perda de nutrientes e a erosão dos solos e por simular, mesmo que parcialmente, um ecossistema natural, contribui para o controle de pragas que na agricultura tradicional seriam combatidas com produtos químicos artificiais, os agrotóxicos. Em Nova Friburgo, sobretudo na região da bacia hidrográfica do rio Grande, os agrotóxicos são utilizados em larga escala, causando a contaminação dos rios, do solo e a perda de qualidade de vida dos trabalhadores rurais que tem que conviver diariamente com produtos altamente nocivos à saúde humana. Aos poucos, contudo, as técnicas de cultivo agroecológico estão sendo disseminadas, fazendo-nos sonhar com um futuro mais sustentável no campo. No entanto ainda se faz necessária uma atuação mais presente do poder público no incentivo à agroecologia.

Apesar de todos os problemas ambientais existentes na atualidade, tanto em Nova Friburgo, quanto no estado do Rio de Janeiro e no Brasil como um todo, houve alguns avanços nos últimos tempos que nos permitem ter esperança quanto à mudança dessa realidade no futuro. O primeiro é a noção generalizada de que um meio ambiente conservado é vital para a qualidade de vida das presentes e futuras gerações. Há 20, 30 anos atrás, era comum encontrar pessoas que questionavam a real importância da natureza nas nossas vidas ou mesmo mal sabiam o que era meio ambiente. Hoje em dia, praticamente todos sabem o valor da natureza, apesar de fazerem muito pouco ou nada de concreto para contribuir com a causa ambiental em seu cotidiano. O segundo é a estruturação do poder público para gerenciar o uso dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente. Uma legislação forte com leis como a Política Nacional de Meio Ambiente, o Código Florestal, a Lei de Crimes Ambientais, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e a Lei da Mata Atlântica, entre outras, somadas ao fortalecimento dos órgãos de fiscalização das três esferas de governo e os instrumentos de gestão participativa aos poucos começam a mostrar resultados palpáveis.

Para fazermos nossa parte para a conservação das florestas e da biodiversidade, devemos procurar primeiramente reduzir nosso ímpeto consumista, pois tudo que compramos demanda recursos naturais, incluindo os florestais. Outro ponto vital é rever nossos hábitos alimentares, sobretudo no sentido de diminuir drasticamente ou mesmo abolir o consumo de carne bovina, tendo em mente que as áreas de pastagens destroem completamente os fluxos gênicos e de energia presentes nos ecossistemas naturais que necessariamente ocupavam originalmente essas áreas, além de prejudicar drasticamente os regimes hídricos que abastecem as populações do meio rural e das cidades. Por fim, é necessário exercitar a cidadania denunciando quaisquer agressões à vegetação nativa, como roçadas, corte raso e queimadas aos órgãos públicos e repassando informações sobre a importância da proteção do meio ambiente aos nossos familiares, amigos, colegas e conhecidos.

Rodrigo Campos é geógrafo e diretor técnico do CECNA