segunda-feira, 29 de outubro de 2012

ICMBio reconhece: 23% da área de nossas 312 UCs está ocupada irregularmente


As florestas protegidas do país, áreas que já foram demarcadas e que devem ser fiscalizadas pela União, estão contaminadas por milhares de ocupações irregulares, um imenso caos fundiário que tem colaborado para escancarar ainda mais as portas da Amazônia para a mineração e o desmatamento ilegais.

O Valor teve acesso exclusivo ao plano de regularização fundiária das unidades de conservação elaborado pelo Instituto Chico Mendes (ICMBio). Nesse documento interno do instituto, encaminhado para análise do Ministério de Meio Ambiente (MMA), o Chico Mendes traça uma radiografia detalhada da situação atual em que se encontram as florestas mais importantes do país. O diagnóstico é preocupante.

A reportagem (a seguir) é de André Borges e publicada pelo jornal Valor, 22-10-2012

O Brasil tem hoje 312 unidades de conservação, um mosaico de riqueza natural que envolve praticamente 10% de todo o território nacional, somando 75,1 milhões de hectares. Desse total, segundo o relatório do ICMBio, 16,9 milhões de hectares estão ocupados irregularmente por propriedades privadas. Na média, isso significa que, de cada 100 metros quadrados de floresta protegida, 23 metros são ocupados de forma irregular.

O cenário se agrava ainda mais quando verificadas as condições técnicas e de infraestrutura disponíveis para fiscalizar as unidades. O relatório aponta que, até maio, apenas 18% das áreas possuíam a devida demarcação física e de sinalização de perímetro, outros 5% estavam em processo de demarcação e 21% estavam parcialmente demarcadas. Nos demais 56%, portanto, não havia demarcação adequada. A essas falhas soma-se ainda “uma grande deficiência de informações gerenciais sistematizadas sobre as unidades de conservação”, informa o documento. Não há um sistema integrado de informações com dados e gráficos atualizados sobre todas as unidades.

Os técnicos do Chico Mendes, órgão do MMA que é responsável por fazer a gestão das florestas protegidas, fizeram as contas do investimento necessário para resolver, ainda que parcialmente, o passivo de terras a serem regularizadas. Entre 2012 e 2014, seria necessário desembolsar R$ 905 milhões para pagar a fatura de milhares de desapropriações e indenizações a posseiros. Numa segunda etapa, entre 2015 e 2020, mais R$ 1,14 bilhão teria de ser utilizado para financiar a liberação das terras.

O pacote de iniciativas inclui, por exemplo, o reassentamento de aproximadamente 8 mil famílias que hoje vivem nas unidades de conservação, além da emissão de títulos de concessão de direito real de uso (CDRU) para outras 28 mil famílias, um documento que autoriza a residência de pessoas que vivam em unidades enquadradas no critério de “uso sustentável”. Essa condição, no entanto, é minoria no quadro total das unidades protegidas. Dos 75,1 milhões de hectares, apenas 10,3 milhões se enquadram nessa situação.

Trata-se, portanto, de um desembolso total de R$ 2,045 bilhões nos próximos oito anos, um recurso que, na prática, dificilmente será aplicado. Se for, resolverá apenas parte do problema. Pelas contas do ICMBio, a execução de 100% das ações previstas em seu plano resultaria numa redução de 54% do passivo das áreas privadas localizadas nas florestas protegidas.

A efetivação de uma unidade de conservação, aponta o relatório do ICMBio depende, inevitavelmente, de duas condições básicas. Primeiro, é preciso viabilizar a regularização fundiária que transfira o domínio de áreas para o poder público. Das 312 unidades protegidas do país, 251 estão em categorias em que o controle da área deve ser, obrigatoriamente, 100% público. Em segundo lugar, é necessário ter condições financeiras não apenas para criar, mas também para manter o território protegido. Na realidade, hoje o Chico Mendes não tem nenhuma dessas duas condições.

“Esse passivo de terras a serem regularizadas resulta principalmente da forma desestruturada como o problema tem sido abordado, pois não foram definidas e implantadas ações estruturantes capazes de dotar o ICMBio e seus antecessores das condições financeiras e operacionais necessárias para execução das metas a serem atingidas no processo de regularização fundiária”, informa o instituto.

A precariedade de controle das florestas nacionais fica mais evidente quando observadas situações como a do Parque Nacional de Itatiaia, o primeiro do Brasil, criado em junho de 1937, na Serra da Mantiqueira, entre os Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Desde a sua ampliação, realizada em setembro de 1982, até 2010, o parque não teve nenhum imóvel desapropriado. Somente em 2011 foram retomadas as ações de desapropriação.

O impasse atrapalha não só a atuação do poder público, mas também a vida de proprietários que já estavam nas terras antes delas serem transformadas em unidades de conservação. O próprio Chico Mendes reconhece que tem percebido “uma elevação considerável no número de ações de desapropriações” feitas por proprietários contra o instituto, por conta da impossibilidade de ampliação de atividades produtivas que esses passam a ter. Em outras ações em trâmite na Justiça, questiona-se até a legitimidade da criação de algumas unidades, por conta do atraso em se fazer as desapropriações.

Do lado do ICMBio, as limitações se estendem à implantação de planos de manejo, de infraestrutura e de ampliação de áreas de uso público. Os recursos financeiros para fazer as indenizações têm, basicamente, duas fontes: o Tesouro Nacional ou a taxa a de compensação ambiental cobrada de empreendimentos que geram impactos significativos ao meio ambiente. Segundo o instituto, “estes se apresentam exíguos perante a demanda reprimida ao longo dos anos.”

As reservas

As unidades de conservação, popularmente conhecidas como parques ou reservas, estão divididas em dois grandes grupos: o de proteção integral e o de uso sustentável. As florestas de proteção integral, como o próprio nome diz, são aquelas que exigem máximo rigor de fiscalização e controle, sem interferência humana. Nesses casos, só se admite o uso indireto de seus recursos naturais, ou seja, ações que não envolvam consumo, coleta, dano ou destruição. Ao todo, cinco categorias se enquadram nessa situação: Estação Ecológica (Esec), Reserva Biológica (Rebio), Parque Nacional (Parna), Monumento Natural (MN) e Refúgio de Vida Silvestre (Revis).

Já nas unidades de conservação de uso sustentável, a proposta é conciliar a conservação da natureza com o uso de parte de seus recursos, sem prejuízo para as riquezas naturais. Há sete categorias que preveem esse tipo de operação: Área de Proteção Ambiental (APA), Área de Relevante Interesse Ecológico (Arie), Floresta Nacional (Flona), Reserva Extrativista (Resex), Reserva de Fauna (Refau), Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Além de permitir a moradia de pessoas, essas unidades podem envolver, algumas vezes, até mesmo atividades industriais, como a extração de minérios.

Atualmente, há 312 unidades de conservação no país, sendo 139 de proteção integral e 173 de uso sustentável. Cada uma dessas unidades é criada por meio de decreto presidencial ou por lei. O Instituto Chico Mendes (ICMBio), ligado ao Ministério de Meio Ambiente, é o órgão federal responsável pela gestão dessas florestas protegidas.



segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Brasil apresenta iniciativas para Áreas de Proteção Marinhas


Atualmente, o Brasil mantém somente 1,5% das zonas econômicas exclusivas nacionais destinadas às Áreas de Proteção Ambiental (APAS) Marinhas. "O grande desafio é ampliá-las. A meta é aumentar para 5% a cobertura, nos próximos cinco anos", afirmou Ana Paula Prates, diretora de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente (MMA), hoje, em evento organizado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). A iniciativa integra os encontros paralelos na 11ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP11), realizada pela ONU e o governo indiano, em Hyderabad, na Índia.


Segundo ela, está na fase final o projeto de consolidação de APAS Marinhas em parceria com a Petrobras, que prevê monitoramento formal e contínuo. Para a implementação dessa iniciativa, serão necessárias participações efetivas dos setores privado e acadêmico. Atualmente existe uma extensão de 70.234 km2 de áreas protegidas costeiras e marinhas no país (dados do MMA, 2010). Entre as APAS marinhas mais conhecidas está o Arquipélago de Abrolhos, na costa sul baiana.

De acordo com o relatório Panorama da Conservação dos Ecossistemas Costeiros e Marinhos do Brasil, da Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA, de 2010, a zona econômica exclusiva é formada a partir do limite exterior das 12 milhas do mar territorial até 200 milhas náuticas da costa (370 quilômetros). Mas, em 2007, a ONU aprovou o pleito brasileiro para incorporar mais 712 mil km2 de extensão da plataforma continental para além das 200 milhas náuticas, que é chamado de Amazônia Azul, que corresponde a mais da metade do território terrestre do país.

A dimensão espacial que representa a Zona Costeira e Marinha brasileira é estrategicamente importante por fatores alimentares, econômicos e climáticos. Estima-se que a atividade pesqueira gere 800 mil empregos e mobilize aproximadamente 4 milhões de pessoas. Estende-se da foz do Rio Oiapoque (AP) à foz do Rio Chuí (RS) e dos limites dos municípios da faixa costeira, a oeste, até as 200 milhas náuticas, incluindo as áreas em torno do Atol das Rocas, dos arquipélagos de Fernando de Noronha, de São Pedro e São Paulo e das ilhas de Trindade e Martin Vaz, situadas além do limite marítimo citado.

Segundo levantamento do MMA (2008), a faixa terrestre corresponde a cerca de 10.800 quilômetros ao longo da costa (dimensão variável), ao se registrar as reentrâncias naturais e também possui uma área estimada de 514 mil km2, dos quais 324 mil km2 correspondem ao território de 395 municípios distribuídos em 17 estados litorâneos. Já a faixa marítima a 3,5 milhões de km2. É relevante destacar que 13 das 27 capitais brasileiras estão nessa faixa e exercem forte pressão sobre os recursos naturais.

O levantamento da biodiversidade marinha ainda é incipiente. É registrado um número aproximado de 1,3 mil espécies na costa sudeste brasileira e entre 750 e 1.209 espécies de peixes, além de 54 mamíferos no litoral, cinco espécies de tartarugas marinhas e mais de 100 espécies de aves relacionadas aos sistemas costeiros e marinhos.

Mais uma característica importante é o fato de que ao menos 20 das 350 espécies de corais de recifes mundiais estão no Brasil. A partir de 2002, o Brasil começou a fazer parte da iniciativa internacional de monitoramento de recifes de corais, o Global Coral Reef Monitoring Network (GCRMN), porque a vulnerabilidade é cada vez mais alta.

Nos manguezais, há 776 espécies entre plantas, moluscos, peixes e aves, entre outras e calcula-se que 25% deles já tenham sido destruídos. O Brasil integra um projeto financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), desde 2007, para a conservação dessas áreas.

O desafio do Brasil é atender a todas as diretrizes do Plano Estratégico para a Biodiversidade, aprovado na COP10, em Nagoya, no Japão, que estabelece as Metas de Aichi. As que se referem à proteção das áreas costeiras e marinhas são estas:

(6) os países devem se comprometer de até 2020, a gerir e explorar legalmente, de maneira sustentável, todos os estoques de peixes, invertebrados e plantas aquáticas;

(10) Até 2015, as múltiplas pressões antrópicas sobre os recifes de coral e outros ecossistemas vulneráveis afetados pelas alterações climáticas ou pela acidificação dos oceanos devem ter sido minimizadas, de modo a manter sua integridade e funcionamento;

(11) Até 2020, pelo menos 17% das áreas terrestres e de águas continentais e 10% das zonas costeiras e marinhas, principalmente as áreas de particular importância para a biodiversidade e para a manutenção dos serviços ambientais, devem estar conservadas por meio de sistemas ecologicamente representativos e integrados dentro de paisagens terrestres e marinhas mais amplas, compostos por áreas protegidas ou outras medidas de conservação efetivas in situ, bem conectadas e geridas com eficácia e equidade.

No mundo, hoje, apenas 1,3 mil das mais de cinco mil áreas protegidas incluem componentes marinhos e costeiros, o que representa menos de 1% dos oceanos.

Fonte: www.exame.abril.com.br