A onça-parda, suçuarana, leão-baio, onça-vermelha ou puma
Puma concolor (alguns entre muitos nomes) é o grande predador mais bem sucedido
das Américas, encontrada desde a Patagônia austral (mas não em Tierra del
Fuego) até o Yukon, no Canadá.
Em São Paulo existem pumas na Serra da Cantareira e na Serra
do Mar, dentro do município de São Paulo, e no interior do estado são cada vez
mais comuns os casos de gatos desta espécie que acabam no quintal de alguém,
são atropelados ou triturados por uma colheitadeira de cana. Pumas são
adaptáveis e parecem estar se mantendo em mosaicos de plantações,
reflorestamentos e fragmentos de matas nativas, mas pagam o preço da
convivência próxima com as pessoas.
Puma, fotografado no Zoológico de Belgrado. Foto: Bas Lammers
Seria melhor, para eles e todos os outros bichos, se as
rodovias brasileiras tivessem passagens para fauna decentemente projetadas ao
invés das gambiarras que os engenheiros empurram e o DNIT e similares estaduais
aceitam. Isso sem falar na recuperação das matas ciliares e em encostas e áreas
de mananciais que aumentaria o habitat disponível. Isso ajudaria não só a
fauna, mas também a termos mais água nas represas.
Ainda sabemos pouco da ecologia dessas onças roceiras e
peri-urbanas. É de imaginar que presas nativas como capivaras, comuns onde quer
que haja algum brejo, sejam uma das bases da dieta dos gatos, mas a importância
de animais exóticos, como a cada vez mais comum lebre-européia e de cães e
gatos domésticos ainda precisa ser estudada.
Pumas com um gosto por carne canina ou por carpaccio de gato
são uma boa notícia para seus ecossistemas. Cães e gatos ferais, asselvajados,
de rua ou alongados são um desastre ambiental que ninguém quer encarar por medo
dos pseudo ecologistas que acham lindo que os totós e bichanos que eles não
querem colocar no próprio quintal massacrem a fauna nativa e ameaçam processar quem toma alguma providência.
Imigrantes
"Pumas são, hoje, encontrados exclusivamente no
continente americano [...]. É estranho que esses gatos apareçam do nada, sem
ancestrais óbvios no registro fóssil local."
Pumas são, hoje, encontrados exclusivamente no continente
americano e ali os fósseis mais antigos datam de 400 a 300.000 anos atrás. É
estranho que esses gatos apareçam do nada, sem ancestrais óbvios no registro
fóssil local.
A possibilidade dos pumas serem imigrantes de outra região é
fortalecida por estudos moleculares que indicam que pumas e guepardos (ou
cheetahs) Acionyx jubatus, um gênero com um longo registro fóssil na Eurásia e
África, compartilham um ancestral comum que viveu a mais de 8 milhões de anos.
Os mesmos estudos mostram que o jaguarundi ou gato-mourisco ou gato-vermelho é
um parente muito próximo do puma, daí seu nome científico Puma yagouaroundi.
Fósseis sugerem que pumas podem ter surgido na África, mas
isso ainda precisa ser comprovado. Pisando em terreno mais firme, restos
encontrados desde a Espanha e Inglaterra até a Mongólia mostraram que um
autêntico Puma viveu nesta vasta região entre 2,4 e 0,8 milhões de anos atrás.
Puma pardoides era similar às suçuaranas atuais,
especialmente na morfologia do crânio e porte (40-45 kg) e parece ter sido
muito bem sucedido, vivendo em vários habitats. Sua aparente extinção na
Europa, na transição entre o Pleistoceno Inicial e Médio ocorre ao mesmo tempo
em que leopardos colonizam aquele continente (sim, existiram leopardos na
Europa, da Espanha à Alemanha, Grécia e Ucrânia, mas isso é outra história), o
que pode ser coincidência ou não.
Parece razoável supor que, junto com leões, mamutes, renas,
humanos e tantos outros mamíferos, um puma ancestral estava entre os imigrantes
que cruzaram da Ásia para a América e Ásia. A ponte sobre o atual Estreito de
Bering ("Beringia") foi exposta várias vezes quando o nível do mar
baixou durante as glaciações dos últimos milhões de anos.
Os detalhes ainda precisam ser descobertos e mais fósseis
ajudariam. É bem possível que a evolução de pumas, guepardos, jaguarundis e
seus primos extintos, os "guepardos americanos" (pumas adaptados para
a corrida) tenha ocorrido na Ásia, a colonização da América vindo depois e em
diferentes momentos. De qualquer forma, os fósseis que temos e o DNA (incluindo
o extraído de fósseis) dão boas pistas nessa história de detetive.
Diversidade latino-americana
"Os genes dos pumas atuais mostram que, ao contrário do
esperado, existe maior diversidade genética na América do Sul e Central do que
na América do Norte."
Que não acaba aí. Os genes dos pumas atuais mostram que, ao
contrário do esperado, existe maior diversidade genética na América do Sul e
Central (onde 5 linhagens ou "subespécies" podem ser caracterizadas)
do que na América do Norte, onde há uma única linhagem evolutiva.
Esse é o oposto do que seria de se esperar caso os pumas
tivessem colonizado primeiro a América do Norte e dali se espalhado rumo ao sul
acumulando mutações e diversidade genética ao longo do caminho.
É muito pouco provável que os pumas tenham colonizado a
América do Sul antes da América do Norte, o que exigiria eventos incomuns como
abduções alienígenas, portais espaço-temporais ou entrega especial por um bote
saído da arca de Noé.
Na verdade, a entrega por um bote vindo da arca é mais fácil
de descartar que a abdução alienígena, já que os criacionistas literais dizem
que a Terra foi criada no ano 4004 AC e o dilúvio bíblico aconteceu em 2400 AC.
Essas datas são recentes demais e não batem com o registro geológico, fóssil ou
molecular (entre outras coisas), enquanto a possibilidade de intervenção de
algum alien bagunçando a biogeografia terráquea não pode ser falseada (neste
caso).
Como tio Ockham ensinou, invocar alienígenas é
desnecessário, pois existe outra explicação mais simples e consistente com os
dados.
Durante a transição entre o Pleistoceno (a "era do
gelo") e o Holoceno (o período geológico em que vivemos), há c. 11.700
anos, ocorreu uma extinção em massa ao longo de poucos milhares de anos e
eliminou a maior parte dos grandes mamíferos do continente americano.
Essa extinção coincidiu com uma rápida mudança climática
igual a tantas que aconteceram antes sem grandes consequências. O que havia de
diferente dessa vez foi a presença de populações humanas fazendo o que fazemos
melhor: explorar outras espécies até a extinção e alterar habitats (não vou me
alongar aqui sobre esse assunto, já tratado antes, mas este ensaio vai no
ponto).
Junto com mamutes, mastodontes, leões,
tigres-dentes-de-sabre, dire wolves (aqueles de Game of Thrones),
preguiças-gigantes, guepardos americanos, cavalos, saigas, ursos, etc, etc a
combinação entre humanos e clima volátil também vitimou os pumas
norte-americanos, que sofreram uma tremenda redução populacional e consequente
perda de variabilidade genética. Ou mesmo extinção.
De fato, a estrutura genética das populações
norte-americanas atuais é consistente com elas sendo descendentes de um pequeno
número de colonizadores vindos da América Central e, na origem, da América do
Sul.
É interessante pensar nos pumas estadunidenses como
legítimos descendentes de pumas latinos que foram fazer a América.
Serra da Capivara
Puma na Serra da Capivara. Foto:
Fábio Olmos
"Como todas as UCs federais, a Serra da Capivara sofre
com o cíclico e irresponsável "contingenciamento de verba" que faz
cessarem atividades fundamentais de manejo e proteção, mas curiosamente não
afetam contratos de publicidade e outros agrados a amigos."
Fiz esta foto no Parque Nacional da Serra da Capivara, no
Piauí, onde uma unidade de conservação modelo e nada menos que espetacular foi
implantada contra toda a probabilidade graças à visão e generosa teimosia de
minha amiga Niéde Guidon, que este mês completou 81 anos.
Vi a Serra da Capivara de antes, um parque brasileiro
padrão, abandonado aos caçadores, posseiros, incêndios e, o pior, aos
políticos. Apesar dessas pragas ainda existirem, o parque recebeu ótima
estrutura de visitação, proteção e manejo. Que não só possibilitam apreciar o
patrimônio arqueológico ímpar como também permitiram a recuperação de uma fauna
quase extinta, incluindo as onças.
Não só isso, o parque mudou a realidade local, tornando um
canto irrelevante e esquecido do Brasil em um pólo de turismo, ensino e
pesquisa.
Infelizmente o Brasil tem um governo disfuncional que prima
por torrar dinheiro do contribuinte e dá muito pouco em troca. Como todas as
UCs federais, a Serra da Capivara sofre com o cíclico e irresponsável
"contingenciamento de verba" que faz cessarem atividades fundamentais
de manejo e proteção, mas curiosamente não afetam contratos de publicidade e
outros agrados a amigos.
Como a megafauna extinta e pinturas rupestres destruídas
ensinam, há estragos que não podem ser reparados e, da pré-história até hoje,
já deu tempo para aprendermos a sermos menos irresponsáveis. Ainda bem que
existem pessoas como Niéde Guidon para mostrar que podemos fazer escolhas
melhores.
Obrigado, Niéde.
Fábio Olmos
Fonte: ((o)) eco
Nenhum comentário:
Postar um comentário