terça-feira, 9 de março de 2010

Um africano no Greenpeace e no Brasil

Por Marcelo Leite


Não sei com certeza a que ONGs internacionais Suzana e Claudio Padua se referiram na entrevista que deram a Patrícia Trudes da Veiga, Cássio Aoqui e André Lobato, da Folha, na qual criticaram a "sublocação" das ONGs pequenas e nacionais pelas grandes irmãs do Norte. Mas desconfio que CI (Conservation International), WWF e Greenpeace se encaixariam no figurino traçado pela dupla dinâmica do IpêInstituto de Pesquisas Ecológicas, à qual estou devendo um visita.

Entre ONGs genuinamente nacionais, a CI já teve um apelido maldoso, "Conversation International". Muito glamour e dinheiro, mas pouco pé no barro, esta era a base da crítica. O duo Padua eleva o nível da crítica ao apontar o baixo investimento em capacitação de ONGs e ongueiros nacionais pelas grandes. A CI até chegou a ter um grupo de brasileiros mandando bem em Washington, mas aparentemente isso não tinha muito reflexo na retaguarda que ficava por aqui.

Ninguém ignora que a Amazônia é uma galinha de ovos dourados (ou "cash-cow") para as grandes ONGs que fazem campanha em defesa da biodiversidade e de combate ao aquecimento global. Para o Greenpeace, com certeza. Depois de pelo menos duas décadas atuando no Brasil, mais da metade dos recursos que mantêm a organização aqui vêm de doações de pessoas residentes fora do país (o Greenpeace não aceita doações de empresas nem de governos). E a floresta amazônica constitui um apelo de vendas insubstituível, decerto.

Durante anos, o programa amazônico do Greenpeace, com escritório em Manaus, era pilotado em conexão direta com Londres, e não com o escritório de São Paulo. Isso mudou (as atividades de Manaus e São Paulo foram reunidas numa só estrutura). E, aparentemente, essa não é a única coisa que vem mudando na organização internacional.

Não por acaso, foi o Brasil um dos primeiros países a ser visitado pelo novo diretor-executivo do Greenpeace, Kumi Naidoo Foi, claro, levado para conhecer a Amazônia - não só a parte turística, matas e rios, mas também a barra pesada de Altamira e quetais. Passou por São Paulo, onde deixou boa impressão.

Até aí, nada demais - a não ser pelo fato de que Naidoo não é europeu nem americano. É sul-africano. Sua militância no chamado terceiro setor não começou pelo movimento ambientalista, mas na área de direitos civis, aos 15 anos, em luta contra o apartheid. Só mais recentemente se tornou dirigente da Campanha Global do Clima, uma espécie de federação temática de ONGs de várias partes do globo.

Parece uma tremenda mudança, ter um africano na direção da ONG internacional e ainda por cima não propriamente um ambientalista (embora se confesse admirador da organização desde os 20 anos de idade, quando dela ouvir falar pela primeira vez em notícia sobre o atentado contra o navio Rainbow Warrior na Nova Zelândia, em 1985). Que seja para melhor, e com mais atenção para a capacitação de brasileiros, africanos, chineses, indianos etc. na aplicação de recursos angariados ao menos parcialmente em seu nome.

Bem-vindo, Kumi Naidoo.

Fonte: http://cienciaemdia.folha.blog.uol.com.br

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