quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O que o controle do desmatamento e da inflação têm em comum?

Semana passada o governo federal anunciou que a área desmatada na Amazônia em 2009 (6.451 km2) caiu 14% em relação a 2008. Comparando com o último pico em 2004 (27.772 km2), foi uma queda de 76%. O que tem levado a queda do desmatamento? Se as medidas contra o desmatamento estão corretas, por que o desmatamento ainda não parou? O que falta fazer para controlar de vez o desmatamento?

As pessoas desmatam por vários motivos, mas geralmente envolve garantir a sobrevivência (pequenas roças), lucrar com a venda de produtos agrícolas ou para ganhar dinheiro com a venda da terra ocupada (especulação). Quem especula também é influenciado pelo mercado já que o preço da terra aumenta quando os preços agrícolas aumentam. Várias políticas governamentais tornam o desmatamento mais atrativo, como o crédito agrícola subsidiado e a melhorias de estradas.

Entre 2001 e 2004 os preços de soja subiram muito e estimularam um forte aumento do desmatamento. Entretanto, entre 2005 e 2006 o desmatamento começou a cair por causa da queda dos preços de soja e gado. Além disso, em 2005 o governo federal reforçou as políticas contra o desmatamento, incluindo o aumento do número de multas, a criação de áreas protegidas e a prisão de funcionários do Ibama e da Secretaria de Meio Ambiente do Mato Grosso envolvidos em fraudes.

Em 2006, uma campanha do Greenpeace forçou os grandes compradores de soja a estabelecerem uma moratória contra a soja oriunda de áreas desmatadas a partir daquele ano. Houve um forte debate nesta época sobre quais os fatores eram os mais importantes para a queda do desmatamento: o mercado ou as políticas públicas. Analistas, inclusive eu, apontavam que a fiscalização ainda era ineficaz, pois a impunidade predominava – por exemplo, o governo arrecadou menos de 3% do valor das multas emitidas entre 2001 e 2005.

Parte da resposta veio em novembro de 2007. O desmatamento voltou a subir depois de um novo aumento de preços agrícolas. Diante desta situação, o governo lançou o mais abrangente e duro plano contra desmatamento. Desta vez, com maior ênfase na punição efetiva. Por exemplo, o governo exigiu que os fiscais embargassem as áreas desmatadas ilegalmente e passou a divulgar a lista destas áreas na internet. Quem comprasse produtos destas áreas estaria sujeito as mesmas penas de quem desmatou ilegalmente.

Nos municípios com maiores taxas de desmatamento, o governo aumentou em 53% o número de embargos e apreensões de bens associados a crimes ambientais. Em junho de 2008, pela primeira vez, o governo federal apreendeu 3 mil reses criadas ilegalmente em áreas protegidas no Pará. Junto com colegas do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), analisamos que essas medidas contribuíram para reduzir o desmatamento em 2008, mesmo antes de a crise financeira mundial começar.

A pressão contra o desmatamento continuou em 2009. Em junho, o Ministério Público Federal do Pará (MPF) e o Ibama iniciaram ações contra 21 fazendas desmatadas ilegalmente e mais 13 frigoríficos que adquiriram gado dessas fazendas. Grandes redes de supermercados boicotaram a carne do Pará até que os frigoríficos se comprometeram a só comprar de fazendas que iniciaram a regularização ambiental. A ação do MPF foi complementada por outra campanha do Greenpeace que fez com que grandes frigoríficos expandissem o compromisso similar ao adotado no Pará para todo o bioma Amazônia. Como resultado de todas estas medidas, o desmatamento continuou a cair apesar dos preços agrícolas terem aumentado em 2009 e 2010.

Como atingir desmatamento zero?

Se tantas medidas foram tomadas, porque o desmatamento não cai mais rápido, por exemplo, chegando próximo de zero? Há varias explicações plausíveis. A fiscalização nos últimos anos foi concentrada contra grandes desmatamentos. Resta muito desmatamento pequeno, mas é mais difícil fiscalizá-los por que são mais dispersos e principalmente porque há maior resistência social e política para fiscalizá-los. A resistência é compreensível dado que parte deles desmata para plantar para a subsistência. Em 2006, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou a colheita de culturas anuais em cerca de 1.700 km2 com áreas menores do que dois hectares.

Além disso, o governo continua outras políticas que incentivam ou podem incentivar o desmatamento como o crédito subsidiado e a doação de terras para posseiros de áreas menores de um módulo fiscal (que variam geralmente de 50 a 100 hectares na Amazônia). A política de reforma agrária no modelo atual também estimula o desmatamento já que florestas tem sido alvo de invasões para forçar a desapropriação. Assim, donos de grandes áreas desmatam para prevenir futuras ocupações.

Ademais, outros parecem desmatar apostando que a impunidade vai voltar a prevalecer ou que as leis serão mudadas para favorecer o desmatamento. Por exemplo, o Congresso vem discutindo mudanças no Código Florestal que envolvem algum tipo de anistia. Além disso, iniciativas judiciais ou de mudanças legais resultaram na redução de 50 mil km2 de áreas protegidas de maneira que abrem espaço para legalizar o desmatamento ilegal.  Outras iniciativas ainda estão em andamento no Congresso ou via judicial para reduzir outros 86 mil km2 de áreas protegidas. Outro projeto visa reduzir o poder do Ibama na fiscalização ambiental (Ver Projeto de Lei Complementar nº 01/2010 e matéria de O Eco).

Em resumo, o sucesso recente contra o desmatamento não é garantia de que o desmatamento continuará a cair. O controle do desmatamento deve ser encarado como o controle da inflação que o Brasil vem realizando bem há 15 anos. É um exercício permanente.

Para reduzir ainda mais o desmatamento o governo deverá continuar as medidas bem sucedidas, aperfeiçoar e criar outras e barrar as más idéias. O governo deve continuar a embargar áreas ilegalmente desmatadas e a cobrar as multas. O governo deve eliminar subsídios para a agropecuária. O governo deve apoiar os pequenos produtores para que consigam renda sem precisar desmatar, incluindo o apoio a conservação, o manejo florestal e o reflorestamento. O governo e parlamentares devem barrar as propostas de mudanças de leis que impliquem em anistias aos crimes ambientais, que enfraqueçam a fiscalização e que reduzam as áreas protegidas. Ademais, as empresas devem cumprir fielmente seus compromissos de exigir produtos que não induzam novos desmatamentos ilegais.

As ações firmes do governo e do setor privado criarão as condições necessárias para que os produtores rurais invistam para produzir mais nas áreas desmatadas. Desta forma, será possível conciliar de verdade conservação com crescimento econômico.


 

Referências

Silva, J. H. (2009). Economic Causes of Deforestation in the Brazilian Amazon: an Empirical Analysis. Tese Mestrado , 46. Friburgo, Alemanha: University of Friburgh.

Prates, R. C. (2008). O desmatamento desigual na Amazônia brasileira: sua evolução, suas causas e suas consquências sobre o bem-estar. Tese (Doutorado) , 135. Piracicaba, São Paulo, Brasil: Universidade de São Paulo.

Barreto, P., Arima, E., & Salomão, R. (março de 2009). Qual o efeito das novas políticas contra o desmatamento na Amazônia? Acesso em 05 de junho de 2010, disponível em Imazon: http://www.imazon.org.br/novo2008/arquivosdb/164523desmatamento_resultados_preliminares.pdf

Barreto, P., Pereira, R., & Arima, E. (2008). A pecuária e o desmatamento na Amazônia na era das mudanças climáticas. Belém, PA, Brasil: Imazon.


 

Fonte: O Eco

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