sexta-feira, 18 de abril de 2014

Silvio Tendler: "agroecologia é fundamental na produção econômica e social"

O novo filme de Silvio Tendler, "O Veneno Está na Mesa 2", denuncia a barbárie do agronegócio e mostra que há saídas para produção de alimentos saudáveis

O veneno está na mesa dos brasileiros, no país que mais consome agrotóxicos no mundo. Mas há alternativas viáveis de produção de alimentos saudáveis que respeitam a natureza, os trabalhadores rurais e os consumidores. É essa mensagem que o novo documentário do diretor Silvio Tendler, O Veneno Está na Mesa 2, quer passar.

O primeiro filme, que não foi lançado nos cinemas e seguiu um caminho alternativo de exibição através da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, teve uma recepção surpreendente e foi visto por mais de um milhão de pessoas.

Nesta entrevista, Tendler fala do novo filme, da sua relação com os movimentos sociais e da importância da alternativa agroecológica para a sociedade brasileira.


O filme será lançado nesta quarta­-feira (16), às 20h, no Teatro Casa Grande, no Leblon. A entrada é gratuita.

Porque lançar a continuação de "O Veneno Está na Mesa", o que ele traz de novo?

'O Veneno Está na Mesa' surgiu quando estive no Uruguai e o Galeno me disse que o Brasil era o principal consumidor de agrotóxico do mundo.

Voltei ao país com a missão de fazer um filme sobre isso, mas nunca imaginei que seria dessa envergadura. Conversei com o (João Pedro) Stédile (dirigente nacional do MST), e ele gostou da ideia, e nesse momento já estava sendo pensada a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Conseguimos com R$ 50 mil reais fazer o Veneno 1.

A campanha foi muito bem sucedida, e o lançamento superou as expectativas de muito filme dito de mercado. É incalculável o número de pessoas que assistiram esse filme,  só no Youtube foram mais de 300 mil, fora as cópias que foram doadas, vendidas, emprestadas, copiadas, pirateadas; ele teve muito público.

Isso gerou uma discussão de que o filme deveria ser aprofundado, e de que deveríamos sobretudo buscar soluções, mostrar que existe alternativas ao veneno, que nós não somos um bando de irresponsáveis que queremos matar a humanidade de fome em nome de uma causa.

Na verdade, nós somos pessoas com sensibilidade, com uma visão de futuro. Pensamos no Veneno 2 em duas partes. Um terço do filme, que mostra os problemas, que só se agudizaram do primeiro Veneno para cá. Hoje você tem entidades científicas da maior responsabilidade que não hesitam em afirmar que existem elementos cancerígenos fortes nos agrotóxicos.

Antes nós tivemos essa dificuldade, poucas pessoas tiveram a coragem de dizer. Ao mesmo tempo dois terços do filme mostra pessoas, comunidades, sob as mais diversas formas, que lutam para preservar a natureza, garantir o alimento, o sustento de todo mundo, com qualidade de vida.

A distribuição alternativa do filme foi então um dos fatores desse alcance surpreendente?

O cinema de shopping está em absoluta crise. O cinema nacional hoje, pelas estatísticas oficiais, atinge 15 milhões de espectadores. Nós já tivemos 5 mil e tantas salas de cinema, hoje temos duas mil e novecentas, 90% delas ficam em shopping, em 9% do território nacional.

O número de espectadores que a Ancine se gaba são 15 milhões de espectadores ao ano. Se você considerar que quem vai ao cinema vai duas vezes ao ano, na verdade você reduz a metade, são 7,5 milhõs de espectadores. Num universo de 200 milhões de cidadãos, esses números não representam nada.

Ou seja, eles desconsideram o povo brasileiro como espectador, eles não contabilizam escolas, universidades, lages, comunidades, centros comunitários, assentamentos, não consideram nada disso. Eu considero espectador até mesmo aquele que assiste numa cópia pirateada.

Quem assiste o filme é espectador, não me interessa como ele assistiu, interessa que ele assistiu. E essa grande massa assiste, ela compra na Rua Uruguaiana a cinco reais, ela se vira e assiste.

Então, o Brasil tem muito mais que 15 milhões de espectadores, mas pra Ancine só conta código de barras. Eles não contabilizam cinema, espectador, contabilizam ingresso vendido, que é outra coisa. E nós partimos da premissa que nós não vendemos ingresso, a gente faz filme pra ser visto.

Vocês viajaram bastante pelo Brasil para fazer esse filme, o que você poderia destacar de aprendizado dessas viagens?

Fomos ao Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Rio Grande do Norte, Brasília, viajamos bastante. A ideia de ambos "Os Venenos" é não localizar numa região, mas mostrar que o problema da agricultura brasileira é nacional. A abertura do filme é propositadamente com o Boaventura de Sousa Santos, que é um dos maiores intelectuais do mundo, muito respeitado na comunidade acadêmica e na militância social. Ele defende algo que vem se tornando uma evidência: o respeito aos saberes ancestrais.

A gente durante muito tempo viveu emparedado pelo cientificismo, que só as ciências poderiam trazer mudanças. E ai vem intelectuais, não só ele, mas da gama dele, e dizem que não.

Você tem gente, tem culturas milenares, que praticam uma agricultura sábia, ecológica, com equilíbrio, com defesa do ambiente e do homem, e que é capaz de nutrir a humanidade. Eu acho que essa é a grande lição de moral. Se o filme tem uma alguma moral, é essa.

O filme foi feito em parceria com o movimento social. Como se deu essa colaboração?

Eu sou um parceiro dos movimentos dispostos a mudar a vida. O meu cinema é um cinema político. Eu fui acusado disso durante muito tempo, até passar essa onda das pessoas gritando que o cinema não podia ser político, que cinema político não atingia ninguém, que ninguém via, ninguém gostava.

Então essa parceria minha com o movimento social ela antecede os próprios "Venenos". Eu já fiz filme de propaganda para partido político de graça. Porque eu não tava vendendo sabonete, eu tava fazendo política, eu tava apoiando as mudanças que o Brasil pedia. Eu já fiz filmes que sei que circulam no movimento social de forma pirata, mas eu prefiro que seja pirateado do que não ser visto, do que ficar na gaveta.


Meu filme sobre o Milton Santos é um ícone, Utopia e Barbárie, Marighella, ou seja, meu cinema é ligado aos movimentos sociais. Com trabalho conjunto com o movimento social oficialmente eu tenho o Veneno Está na Mesa 1 e agora o Veneno 2. Mas já fiz muitas coisas pro MST, e tenho muito orgulho.

Eu acho que se tem um movimento importante no Brasil é o movimento pela reforma agrária, é o movimento pela reforma urbana. As coisas mais bonitas que já aconteceram na minha vida, eu já tive alguns momentos de muita emoção. Um quando eu apresentei o Milton Santos na Escola Florestan Fernandes do MST e a outra foi no Rio de Janeiro.

Tinha um cinema na Cinelândia, que era um clássico do Rio de Janeiro dos anos 50, todo de mármore, bonito, que estava abandonado. Naquela semana as pessoas tomaram aquele prédio, os sem ­teto tomaram o prédio.

Na noite, acho que era véspera de 7 de setembro, algo assim, eles ocuparam o cinema, um sem­ teto se paramentou de lanterninha, puseram uma carrocinha de pipoca dentro do cinema, e as pessoas assistiram sentadas no chão de mármore durante quase duas horas o Milton Santos.

Foi uma das coisas mais lindas que aconteceu na minha vida. Ai eu falei: esse cinema que eu faço tem sentido, é junto com o movimento social, e é isso que me interessa na vida.

Estamos descomemorando os 50 anos do golpe, e temos falado muito da história da reforma agrária, o discurso do Jango.

Agora lancei duas séries, "Os advogados contra a ditadura", e "os militares que disseram não". Falei daqueles que se opuseram ao golpe, que são setores fundamentais mas não muito conhecidos.

Você conhece o nome dos generais golpistas, dos torturadores, mas você não conhece numa escala popular, não tem o reconhecimento, os militares que foram legalistas, foram constitucionalistas, que ficaram até o final ao lado do Jango, que mesmo depois do golpe ficaram militando e resistindo.

Você não conhece os advogados que eram advogados de perseguidos políticos, num país que não tinha nem habeas corpus. E eu fiz 5 programas de tv de 50 min cada um, cada série, e dois longas metragens. Tenho muito orgulho das coisas que faço, posso falar de peito erguido das coisas que faço.

Tem algum outro filme que você está fazendo agora?

Tem, eu não paro. Se você parar vocẽ morre, atrofia. Vai ficando velho vai enferrujando. Terminei junto esses três filmes. E agora to fazendo A Alma Imoral, do Nilton Bonder, e o assunto é sobre o exílio do poeta. Você não houve falar sobre o exílio de um poeta, e eu quero falar sobre isso.

Estamos lançando o filme num momento que a bancada ruralista tem feito ataques mais fortes a legislação dos agrotóxicos e ao mesmo tempo vivendo um clima pré­-eleitoral.

Esse filme consegue ter um impacto da opinião pública e trabalhar num sentido mais amplo da luta contra os agrotóxicos?

Eu acho que sim. A política não se faz a luz do dia, a política é uma coisa que você negocia, não é muito clara. Você tem hoje vertentes da sociedade que estão negociando para que se monte uma grande frente popular que faça frente a esse grupo do agronegócio.

Hoje você tem uma bancada ligada as negociatas, a esse Brasil feio, de mais de duzentos parlamentares. A gente tem que construir os outros duzentos. A gente tem que ter um preparo pro enfrentamento político também.

É onde eu tenho divergência com alguns companheiros militantes que eles querem abandonar as frentes de ação política. Eu acho que a frente de ação política é tão importante quanto a gente na rua, fazendo filme, debatendo.

Mas eu acho que a gente tem que construir, aumentar muito a bancada das pessoas que antagonizam com a bancada ruralista. A gente tem que quebrar esse monólito. A gente tem que fazer alianças, porque política é isso.

Se a gente conseguir roubar 12 deputados... não significa com isso que você vai abandonar as outras lutas, você vai continuar na rua lutando, falando o que você pensa, o que você quer.

Mas é preferível ter parlamentares que não são puro sangue mas estão aliados a gente, do que buscar a perfeição e não ter nada. É uma maneira reformista de pensar, mas que eu acho que tem sua razão de ser.

Por que você acha que existe este desânimo com a política institucional?

Eu acho que as pessoas que estão desanimadas tem sua razão de ser. A gente engoliu muito sapo estes tempos. A gente vem engolindo muitos sapos, e vai cansando. Se a gente tem que dar nome aos bois, as últimas coisas que vem acontecendo há um tempo já com o PT, elas provocam um certo desencantamento.

Eu que nunca fui petista estou desencantado, eu não era petista mas eles tinham um discurso da pureza, e eles também sujaram as mãos. Se bem que o Sartre sempre disse que em algum momento é importante sujar as mãos. Mas eles eram puristas, eles não votaram no Tancredo Neves, não assinaram a Constituição.

Eles sempre fizeram uma política purista e hoje você tá vendo o que tá virando essa pureza toda. Pureza virou pó. Isso provoca um desencantamento mesmo naqueles não tendo sido do PT, petistas, eles acreditavam que o PT apresentava um projeto diferente, e que se desse certo poderia ser um projeto de futuro pro país.

Agora o PT negocia também, é mais um partido a negociar, uma bancada infindável de partidos.

Mas eu acho que não é porque o PT virou isso que a gente vai abandonar a política. Vamos buscar outros vieses, outras alternativas, vamos buscar outras formas de fazer política e outras formas de agir dentro da política.

Você acha que podemos nos espelhar nos exemplos latino­americanos?

Ninguém tem respostas. Hoje ninguém tem respostas. A gente não deve se espelhar em modelo nenhum, acho que devemos construir o próprio modelo. Você hoje não tem mais modelo, tem ações. Não dá pra dizer que o Maduro é igual ao Chavéz. O Raul não é igual ao Fidel, o país hoje é outro.

O carisma de um e o de outro não é o mesmo. O Evo Morales não é igual a eles. O mais interessante deles todos é o Pepe Mujica. Agora também não é o modelo, Uruguai é um país pequenininho, é um país onde você resolve os problemas de outra forma.

A maior massa da população uruguaia sempre foi urbana, o campo sempre foi vazio. Quando se chegou lá nos anos 60 querendo fazer um foco guerrilheiro, perguntaram: com bois e vacas? Você não tem camponeses na quantidade que tinha em Cuba.

Você não imita o modelo, acho que a gente tem que procurar construir o nosso próprio modelo. Um modelo que tem que ser não só avançado como original. Você volta no velho Jango e vai ver que propõe reforma agrária, reforma urbana, controle da remessa de lucros. Foi um governo nacionalista. A reforma agrária do Jango não era estatizante, ela criava o pequeno proprietário rural, e é um bom modelo a seguir. É só o país retomar a rota.

Esse novo modelo necessariamente passa pela agroecologia?

Não tem sentido você construir uma economia baseada na destruição da natureza. Isso não é economia, isso é catástrofe. Você criar um modelo econômico perverso, isso não é o país que a gente está construindo, isso é a barbárie.

Então eu acho que a agroecologia é fundamental como forma de produção econômica, social e de desenvolvimento.

Eu tenho plena convicção que estamos fazendo o filme certo no caminho certo. Estamos no momento que a gente vai de alguma maneira poder colaborar com este debate, e estou muito feliz por isso.

Na abertura que no filme passado eram 20 entidades que assinavam e hoje você tem 80, é mostrar que há gente no Brasil preocupada com esse projeto, que nós não estamos sós, e um filme como esse é um filme agregador.

Nós estamos em um momento de descomemoração dos 50 anos do golpe, mas também estamos num momento de projeção dos próximos 50, 100 anos. E é isso que motiva esse movimento. O que nos interessa é discutir o passado pra não repeti­-lo. A gente fala do passado, mas está ancorado no futuro.

Por Renato Cosentino e Alan Tygel


Fonte: www.brasildefato.com.br

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