A confirmação de um aumento de 9% no desmatamento da Mata
Atlântica no período entre 2012 e 2013, o segundo aumento anual consecutivo, trouxe
duas certezas aos dirigentes das principais organizações que militam pela
preservação do bioma mais ameaçado do Brasil. Uma delas é de que são
necessários maiores e urgentes avanços na aplicação de políticas públicas que
hoje caminham a passo de tartaruga, caso, por exemplo, da efetivação dos Planos
Municipais de Conservação e Recuperação ou da regulação do Fundo de
Restauração, ambas previstas na Lei da Mata Atlântica sancionada em 2006. A
segunda certeza é de que a aprovação do Código Florestal, na forma como se deu
no Congresso Nacional, com diversas concessões à bancada ruralista, contribuiu
para a retomada das agressões ao bioma hoje reduzido a 8,5% de sua cobertura
original.
Diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata
Atlântica, Mário Mantovani afirma que todos os avanços conquistados desde a
aprovação da lei, como, por exemplo, os planos municipais, “foram colocados sob
risco” pelo novo Código Florestal: “A expansão do desmatamento agora é a prova
de que esse código com viés ruralista impacta diretamente, e não só a Mata
Atlântica. Nossa organização trabalha muito com plantio e reflorestamento, e
nesses dois anos se percebeu nos proprietários um breque geral nessas ações
porque todos ficaram naquela de esperar a anistia. Então, foi muito ruim. Vamos
ver se agora a gente muda essa dinâmica, com o Cadastro Ambiental Rural e a
questão da restauração obrigatória do Plano de Recuperação Ambiental”, diz.
Para Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá) e
integrante da coordenação da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA), o governo
não dá a devida importância à conservação do bioma: “Hoje se pensa mais em
licenciamento do que na melhoria da fiscalização. O Ministério do Meio Ambiente
(MMA) está muito parado, e em nível da legislação a gente vê mais retrocessos
que avanços, inclusive com a aprovação do Código Florestal há dois anos”, diz.
Consolidar os Planos Municipais de Conservação e Recuperação
da Mata Atlântica, diz Cunha, é a mais importante etapa a ser cumprida: “Os
planos municipais são importantíssimos, mas dos 3,2 mil municípios que estão
sob a aplicação da Lei da Mata Atlântica, temos hoje somente 13 planos
aprovados e mais uns 30 planos em elaboração, o que é muito pouco para uma
estratégia mais ampla em todo o domínio da Mata Atlântica”.
A falta de ação do MMA é apontada também por Mantovani como
causa da lentidão na implementação dos planos municipais: “O caput da Lei da
Mata Atlântica é o mais interessante que existe até hoje porque fala do uso e
da proteção da floresta. Isso acabou não acontecendo em função desse
desequilíbrio promovido pelo próprio ministério, que não se empenhou nesse
tema. Achamos que é possível avançar muito agora com os planos municipais.
Estamos empenhados nisso, temos visitado muitos municípios. Há municípios de referência,
como Caxias do Sul, onde o plano foi vinculado ao Cadastro Ambiental Rural”,
diz o dirigente da SOS Mata Atlântica.
Recursos
"(...) com a obrigatoriedade do Plano de Recuperação
Ambiental, é muito importante que a gente consiga ter esse fundo regulamentado,
senão aquelas propostas do governo de fazer restauração e promover o Código
Florestal vão para o espaço(...)"
Segundo as organizações, a regulação do Fundo de Restauração
da Mata Atlântica é condição prévia indispensável para que os planos municipais
venham a ter recursos financeiros e alguma possibilidade de sucesso:
“Principalmente agora, com a obrigatoriedade do Plano de Recuperação Ambiental,
é muito importante que a gente consiga ter esse fundo regulamentado, senão
aquelas propostas do governo de fazer restauração e promover o Código Florestal
vão para o espaço”, diz Mantovani.
Renato Cunha faz o mesmo alerta: “A única coisa que falta
regulamentar é o Fundo de Restauração. Estamos trabalhando para que os
municípios venham a ser beneficiados por esse fundo, para a implementação das
ações previstas nos planos. Só que o fundo não está regulamentado, não tem
recursos, não tem nada por enquanto”, diz.
Biodiversidade
Entre os dias 6 e 17 de outubro, acontecerá na Coréia do Sul
a 12ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica da ONU
(COP-12). Durante o evento, o Brasil deverá ser citado como destaque positivo
de dois relatórios globais que apontam o país como aquele que mais reduziu o
desmatamento nos últimos anos. Os ambientalistas, no entanto, não pretendem
permitir que a realidade da Mata Atlântica seja ignorada durante a conferência:
“Se quiser elogios pela Mata Atlântica, o governo vai ter que correr muito,
porque até agora o que ele pode levar é mau exemplo. Continuamos abaixo das
metas de restauração e as Unidades de Conservação estão todas abandonadas e sem
planos de manejo regulamentados, a maioria com problemas fundiários”, diz Mário
Mantovani.
“Poderemos falar sobre o fato, por exemplo, de que quase
nenhuma Unidade de Conservação foi criada no governo Dilma", diz Renato
Cunha. A Rede de ONGs da Mata Atlântica, segundo ele, irá trabalhar para levar
a questão da Mata Atlântica ao debate internacional durante a COP-12: "os
projetos de cooperação atingem somente parte da Mata Atlântica. Não atingem,
por exemplo, Minas Gerais ou os estados do Nordeste acima da Bahia. Será
preciso uma ação muito maior do que está se vendo até agora”, diz.
Dez ações
Um dos documentos que serão levados pelos ambientalistas à
COP-12 é a Carta da Mata Atlântica 2014, elaborada pela Rede de ONGs da Mata
Atlântica e que apresenta “dez ações fundamentais emergentes” para reverter a
destruição do bioma":
1 - Retomar a agenda de criação e implantação de áreas
protegidas.
2 - Regulamentar o Fundo de Restauração da Mata Atlântica
(previsto em lei há oito anos).
3 - Estruturar de maneira adequada os órgãos responsáveis
pelo cumprimento do Código Florestal brasileiro (em vigor há dois anos).
4 - Implantar, de forma qualificada, transparente e com
participação social, os instrumentos do Código Florestal brasileiro, como o
Cadastro Ambiental Rural, a restauração florestal e os incentivos econômicos e
fiscais, para a sua total efetivação.
5 - Estabelecer um marco legal sobre Pagamento por Serviços
Ambientais, em consonância com o Código Florestal brasileiro e propor a criação
de leis e programas similares nos estados e municípios.
6 - Criar programas, em âmbito federal e estaduais, de
fomento à elaboração e implementação dos Planos Municipais de Conservação e
Recuperação da Mata Atlântica.
7 - Rearticular e fortalecer o Sistema Nacional do Meio
Ambiente (Sisnama) como principal instrumento de gestão da política ambiental
nacional, com participação e controle social.
8 - Estabelecer um plano de ação para o cumprimento e
monitoramento das Metas da Convenção da Diversidade Biológica (Metas de Aichi)
voltadas para conter as perdas de biodiversidade no bioma, envolvendo e
fomentando os estados e diversos segmentos da sociedade.
9 - Promover ampla discussão com a sociedade sobre
megaempreendimentos, públicos e privados, que impactam o bioma.
10 - Integrar as Políticas Públicas, nas três esferas da
federação, tais como recursos hídricos, meio ambiente, agroecologia e mudanças
climáticas, para a conservação e preservação do bioma.
Por Maurício Thuswohl
Fonte: O Eco
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